São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

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Solução anômala

STF atende a anseio por fidelidade partidária, mas interfere em matéria do Legislativo, que tem sido omisso sobre o tema

EM DECISÃO que muda sua orientação anterior, o Supremo Tribunal Federal concluiu que os mandatos de deputados e vereadores (eleitos no sistema proporcional) pertencem aos partidos. Ao fixar em 27 de março último o início da vigência do entendimento -e ordenar que cada processo corra na Justiça Eleitoral, com ampla defesa-, a corte evitou um auto-de-fé que cassaria em bloco 23 trânsfugas.
Estão afastados, portanto, os cenários mais drásticos, que pintavam expurgos generalizados e até mesmo uma crise entre o Legislativo e o Judiciário.
Uma cassação coletiva por mandado de segurança -ação de rito sumário, com reduzida margem de defesa- teria constituído grave ameaça ao Estado de Direito. Teriam sido violados a um só tempo o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e da segurança jurídica. Pior, a corte teria instituído a cassação retroativa, uma vez que havia jurisprudência do próprio STF contra a perda de mandato por conta de transferência partidária.
Exceto em um caso, todas as vagas reclamadas pelas legendas que impetraram os mandados de segurança se referiam a deputados que trocaram de sigla antes de 27 de março. Nesse dia, em resposta a uma consulta, o Tribunal Superior Eleitoral afirmou que o mandato pertencia ao partido, não ao parlamentar, decisão que deflagrou a celeuma. Desde então, 18 deputados transmigraram e ficam, agora, com a corda no pescoço.
A introdução da fidelidade partidária pelo STF -com base numa interpretação abrangente, pois em nenhum lugar está escrito que o deputado que se desfilia perde o mandato- não deixa de ser uma anomalia. Reformas políticas deveriam ser deixadas a cargo do Legislativo.
Prevê-se também uma dose de arbitrariedade na aplicação da nova regra, pois o Supremo não criou apenas uma norma -a desfiliação pode levar à perda do mandato-, mas também as exceções. Pelo que se pode depreender dos votos dos ministros, em caso de perseguição, de expulsão, de mudança de orientação ideológica ou programática da sigla original, o deputado ou o vereador que se transferiu de partido poderá manter o mandato.
A questão é como julgar com objetividade conceitos, excetuada a expulsão, tão vagos, típicos da disputa política. O risco é cair-se numa "judicialização" excessiva do embate pelo poder.
As críticas que possa haver à decisão do Supremo, contudo, não autorizam que deputados e senadores sejam tratados como vítimas. São, na verdade, os principais responsáveis por essa solução esdrúxula em que o Judiciário foi chamado para atender à demanda crescente da sociedade por fidelidade partidária.
Há mais de década se reclama dos legisladores um freio ao troca-troca partidário -sempre em busca das benesses do governo. Principais beneficiados pelo vale-tudo das filiações, parlamentares e Palácio do Planalto deram de ombros.
A resposta está aí. O Supremo resolveu que o mandato é, salvo exceções, do partido. O melhor modo de o Legislativo reagir, agora, é por meio de uma reforma política abrangente.


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