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Solução anômala
STF atende a anseio por fidelidade partidária, mas interfere em matéria do Legislativo, que tem sido omisso sobre o tema
EM DECISÃO que muda sua
orientação anterior, o Supremo Tribunal Federal
concluiu que os mandatos de deputados e vereadores
(eleitos no sistema proporcional) pertencem aos partidos. Ao
fixar em 27 de março último o
início da vigência do entendimento -e ordenar que cada processo corra na Justiça Eleitoral,
com ampla defesa-, a corte evitou um auto-de-fé que cassaria
em bloco 23 trânsfugas.
Estão afastados, portanto, os
cenários mais drásticos, que pintavam expurgos generalizados e
até mesmo uma crise entre o Legislativo e o Judiciário.
Uma cassação coletiva por
mandado de segurança -ação de
rito sumário, com reduzida margem de defesa- teria constituído
grave ameaça ao Estado de Direito. Teriam sido violados a um só
tempo o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e da
segurança jurídica. Pior, a corte
teria instituído a cassação retroativa, uma vez que havia jurisprudência do próprio STF contra a perda de mandato por conta
de transferência partidária.
Exceto em um caso, todas as
vagas reclamadas pelas legendas
que impetraram os mandados de
segurança se referiam a deputados que trocaram de sigla antes
de 27 de março. Nesse dia, em
resposta a uma consulta, o Tribunal Superior Eleitoral afirmou
que o mandato pertencia ao partido, não ao parlamentar, decisão que deflagrou a celeuma.
Desde então, 18 deputados
transmigraram e ficam, agora,
com a corda no pescoço.
A introdução da fidelidade partidária pelo STF -com base numa interpretação abrangente,
pois em nenhum lugar está escrito que o deputado que se desfilia
perde o mandato- não deixa de
ser uma anomalia. Reformas políticas deveriam ser deixadas a
cargo do Legislativo.
Prevê-se também uma dose de
arbitrariedade na aplicação da
nova regra, pois o Supremo não
criou apenas uma norma -a desfiliação pode levar à perda do
mandato-, mas também as exceções. Pelo que se pode depreender dos votos dos ministros, em caso de perseguição, de
expulsão, de mudança de orientação ideológica ou programática da sigla original, o deputado
ou o vereador que se transferiu
de partido poderá manter o
mandato.
A questão é como julgar com
objetividade conceitos, excetuada a expulsão, tão vagos, típicos
da disputa política. O risco é cair-se numa "judicialização" excessiva do embate pelo poder.
As críticas que possa haver à
decisão do Supremo, contudo,
não autorizam que deputados e
senadores sejam tratados como
vítimas. São, na verdade, os principais responsáveis por essa solução esdrúxula em que o Judiciário foi chamado para atender
à demanda crescente da sociedade por fidelidade partidária.
Há mais de década se reclama
dos legisladores um freio ao troca-troca partidário -sempre em
busca das benesses do governo.
Principais beneficiados pelo vale-tudo das filiações, parlamentares e Palácio do Planalto deram de ombros.
A resposta está aí. O Supremo
resolveu que o mandato é, salvo
exceções, do partido. O melhor
modo de o Legislativo reagir,
agora, é por meio de uma reforma política abrangente.
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