São Paulo, terça-feira, 06 de novembro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

Caricaturas viram gente

SÃO PAULO - Era uma vez o tempo em que comediantes faziam caricaturas de políticos. Como, para citar um só exemplo, o "Justo Veríssimo", criado por Chico Anísio séculos atrás.
Os tempos mudaram. Agora são os políticos, quase todos, que procuram se adequar à caricatura. Como, também para ficar em um só exemplo, o deputado Fernando Ferro (PT-CE), responsável pelo pedido para desarquivar a emenda que permite a reeleição ilimitada de governantes.
Justificou-se assim, segundo o "Painel" de domingo: "Fui oposição muito tempo. Agora sou governo, e gosto muito. Não pretendo mais deixar de ser. Desejo longa vida à oposição... na oposição".
Nada que não coubesse à perfeição na boca de "Justo Veríssimo" se as caricaturas não tivessem se tornado dispensáveis, já que os caricaturados assumem gostosamente o papel delas.
O deputado poderia ter ao menos acrescentando alguma frase épica, dessas com os quais os políticos enchem a boca e ninguém mais acredita. Do tipo: "Quero o poder para dar o melhor de si para fazer do Brasil um grande país".
Imagino que 99,9% dos políticos, de 99,9% dos partidos, pensem rigorosamente como Ferro. O parlamentar não está, pois, dizendo nenhuma novidade, fazendo nenhuma revelação. Mas houve um tempo em que, pelo menos, havia um certo pudor -ou fingia-se um certo pudor. Todos sempre adoraram o tal de "puder", mas a maioria fingia que não era apenas pelo gosto de usufruir de suas inúmeras benesses, as legais e as nem tanto.
O que mudou, na política brasileira, foi o banimento do pudor ou do fingimento de pudor. Não deixa de ser um progresso: antes dizia-se "ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos"; agora já não é preciso fingir estar interessado em restaurar a moralidade.

crossi@uol.com.br


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