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CLÓVIS ROSSI
Caricaturas viram gente
SÃO PAULO - Era uma vez o tempo em que comediantes faziam caricaturas de políticos. Como, para
citar um só exemplo, o "Justo Veríssimo", criado por Chico Anísio
séculos atrás.
Os tempos mudaram. Agora são
os políticos, quase todos, que procuram se adequar à caricatura.
Como, também para ficar em um
só exemplo, o deputado Fernando
Ferro (PT-CE), responsável pelo
pedido para desarquivar a emenda
que permite a reeleição ilimitada de
governantes.
Justificou-se assim, segundo o
"Painel" de domingo: "Fui oposição
muito tempo. Agora sou governo, e
gosto muito. Não pretendo mais
deixar de ser. Desejo longa vida à
oposição... na oposição".
Nada que não coubesse à perfeição na boca de "Justo Veríssimo" se
as caricaturas não tivessem se tornado dispensáveis, já que os caricaturados assumem gostosamente o
papel delas.
O deputado poderia ter ao menos
acrescentando alguma frase épica,
dessas com os quais os políticos enchem a boca e ninguém mais acredita. Do tipo: "Quero o poder para
dar o melhor de si para fazer do Brasil um grande país".
Imagino que 99,9% dos políticos,
de 99,9% dos partidos, pensem rigorosamente como Ferro. O parlamentar não está, pois, dizendo nenhuma novidade, fazendo nenhuma revelação.
Mas houve um tempo em que, pelo menos, havia um certo pudor
-ou fingia-se um certo pudor. Todos sempre adoraram o tal de "puder", mas a maioria fingia que não
era apenas pelo gosto de usufruir de
suas inúmeras benesses, as legais e
as nem tanto.
O que mudou, na política brasileira, foi o banimento do pudor ou
do fingimento de pudor. Não deixa
de ser um progresso: antes dizia-se
"ou restaure-se a moralidade ou
nos locupletemos todos"; agora já
não é preciso fingir estar interessado em restaurar a moralidade.
crossi@uol.com.br
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