São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Mudanças urgentes a partir do G20

GUIDO MANTEGA


É cada vez mais difícil negar às economias emergentes e em desenvolvimento uma participação mais relevante nas decisões mundiais

A GRAVE crise financeira tornou ainda mais evidente o que todos já sabíamos: a governança da economia global e as finanças internacionais necessitam de mudanças urgentes. Esse será um dos temas centrais da importantíssima reunião do G20 que, sob a presidência do Brasil, se realizará em São Paulo nos dias 8 e 9 próximos.
Há uma direção para essas transformações. No FMI e no Banco Mundial, as economias avançadas e as emergentes devem participar de modo eqüitativo das decisões. Foros mais representativos, como o próprio G20, precisam ser reforçados, e o G7 deve ser ampliado.
O G20 reuniu-se pela primeira vez em dezembro de 1999, no contexto das crises financeiras daquela década.
Fazia sentido reunir as principais economias desenvolvidas e emergentes num grupo mais amplo que o G7.
O foco inicial do G20 foi a prevenção de crises. Para as economias avançadas, tratava-se de "educar" as economias emergentes para a necessidade de reduzirem suas vulnerabilidades. Elas deveriam fazê-lo adotando políticas macroeconômicas consistentes, marcos regulatórios e de supervisão rigorosos, além das "boas práticas" aceitas internacionalmente.
Eram lições que as economias emergentes já tinham aprendido por experiência própria.
Por quase uma década, o G20 tem sido um foro útil de reflexão. Porém, para poder desempenhar um papel mais importante, ele terá de ser capaz de encaminhar políticas concretas; suas deliberações devem influir mais diretamente no trabalho das instituições financeiras multilaterais; sua capacidade de lidar com a gestão e a resolução de crises deve ser reforçada.
Isso pode ser feito com medidas simples, tais como a realização de duas reuniões do G20 por ano, antes dos encontros do FMI e do Banco Mundial, e não só uma, em novembro, como ocorre hoje. Além disso, reuniões extraordinárias poderiam ser convocadas, tal como ocorreu em Washington no último dia 11 de outubro. O G20 poderia criar uma "sala de situação" virtual, organizada pelo país na presidência do grupo, para troca de informações e coordenação de respostas a crises em tempo real.
Trata-se, sobretudo, de uma questão de vontade política. Se há consenso quanto à importância do papel do G20, então é preciso habilitá-lo a cumprir a sua missão. O Brasil está convencido disso, e vou reiterar essa proposta em São Paulo.
Sem querer entrar no debate em torno da ampliação do G7/G8, tratarei de outra peça da governança internacional: o Fórum de Estabilidade Financeira (FSF, na sigla em inglês).
O FSF -não por coincidência- também foi criado em 1999. Veio à luz meses antes do G20 com o objetivo de "promover a estabilidade financeira mediante a troca de informações e a cooperação em matéria de regulação e supervisão financeira". Participam somente os países do G7, além de Austrália, Cingapura, Hong Kong, Países Baixos e Suíça. Ele inclui, ainda, diversos organismos internacionais e órgãos que congregam entidades nacionais de regulação/supervisão financeira.
No contexto atual, o trabalho do FSF ganhou mais relevo. Em abril, publicou relatório sobre o reforço da solidez dos mercados e das instituições econômicas. O documento contém recomendações que diversos governos se têm comprometido a implementar. Os países do G7 e outros estão propondo reforçar o papel do Fórum de Estabilidade Financeira.
Tal proposta, contudo, esbarra numa questão fundamental: por que suas recomendações deveriam ser universalmente aceitas e adotadas se as economias emergentes, responsáveis por uma importante parcela do crescimento mundial, não participam de sua elaboração?
Quando as coisas são difíceis de explicar, quase sempre é preciso mudá-las. Esse certamente é o caso do FSF.
Sua composição deve ser ampliada para que as economias emergentes participem. Como os países do G7, os emergentes devem ser representados por seus ministérios de finanças, bancos centrais e órgãos de regulação.
Reforçar o G20 e ampliar o FSF são dois importantes primeiros passos no quadro de uma revisão mais ampla da governança econômica e financeira global. Os líderes do G20 tratarão desse desafio na cúpula que ocorrerá em Washington no próximo dia 15.
A comunidade internacional está pagando um altíssimo preço por uma crise pela qual a maioria dos países não tem nenhuma responsabilidade.
Está cada vez mais difícil negar às economias emergentes e em desenvolvimento uma participação mais relevante nas decisões mundiais.


GUIDO MANTEGA, economista, é ministro da Fazenda e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).


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