São Paulo, sexta-feira, 06 de novembro de 2009

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A religião e a lei

Afastar preconceitos com relação aos evangélicos não se confunde com tolerar ilicitudes que seus líderes venham a cometer

UM MILHÃO de pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, esteve presente na Marcha para Jesus, durante a última segunda-feira, em São Paulo. Organizado por igrejas evangélicas, o evento reitera a importância adquirida por diversas denominações religiosas que, há algumas décadas apenas, mostravam-se numericamente inexpressivas diante do predomínio da fé católica no Brasil.
O censo de 1970 registrava pouco mais de 5% de protestantes, e quase 92% de católicos, na população. Números coligidos pelo Datafolha, em pesquisas realizadas entre 2006 e 2007, mostram uma redução acentuada no número de católicos (64%), contra 22% de evangélicos. Nas grandes cidades brasileiras, cai a 56% a porcentagem dos católicos.
Como todo agrupamento em busca de afirmação identitária e influência no cenário público, as igrejas evangélicas não apenas promovem uma demonstração de sua capacidade mobilizatória, mas também enfatizam a necessidade de se dissolver o preconceito que ainda possam despertar em alguns setores de opinião.
De todo modo, a tradição de convivência religiosa está suficientemente arraigada no Brasil para afastar-se a ameaça, no tocante aos evangélicos, de que se tornem vítimas ou agentes de qualquer tipo de intolerância.
Tanto quanto a liberdade religiosa, é essencial no mundo moderno a separação entre a esfera das convicções de fé e o ordenamento político e jurídico da sociedade. Tolerância religiosa não se confunde com tolerância à ilegalidade, e a mobilização de fiéis não equivale ao julgamento dos tribunais.
Foi no rumo deste terreno movediço que, por momentos, encaminhou-se a manifestação de segunda-feira. Condenados e presos pela Justiça americana, os fundadores da Igreja Renascer não foram vítimas de perseguição religiosa, mas sim flagrados pela alfândega de Miami com US$ 56 mil dólares escondidos em malas, num porta-CDs e numa Bíblia.
Qualquer que seja a disposição dos participantes do evento em relação aos líderes da Renascer, uma celebração religiosa não é o palco para a manipulação plebiscitária por parte de personalidades que dominam, ao mesmo tempo, as linguagens da persuasão política e da mobilização confessional -como é o caso do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que no evento assumiu a defesa do casal condenado.
Seus argumentos, de resto, puderam ser avaliados pelo leitor, em artigo publicado ontem por este jornal. O espaço para o debate de pontos de vista, que a Folha se compromete desde sempre a manter, em tudo difere do das manifestações maciças de fé. Confundi-los é abrir caminho, não para a afirmação religiosa, mas sim para a negação da lei.


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