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A religião e a lei
Afastar preconceitos com relação aos evangélicos não se confunde com tolerar ilicitudes que seus líderes venham a cometer
UM MILHÃO de pessoas,
segundo estimativa da
Polícia Militar, esteve
presente na Marcha
para Jesus, durante a última segunda-feira, em São Paulo. Organizado por igrejas evangélicas, o
evento reitera a importância adquirida por diversas denominações religiosas que, há algumas
décadas apenas, mostravam-se
numericamente inexpressivas
diante do predomínio da fé católica no Brasil.
O censo de 1970 registrava
pouco mais de 5% de protestantes, e quase 92% de católicos, na
população. Números coligidos
pelo Datafolha, em pesquisas
realizadas entre 2006 e 2007,
mostram uma redução acentuada no número de católicos
(64%), contra 22% de evangélicos. Nas grandes cidades brasileiras, cai a 56% a porcentagem
dos católicos.
Como todo agrupamento em
busca de afirmação identitária e
influência no cenário público, as
igrejas evangélicas não apenas
promovem uma demonstração
de sua capacidade mobilizatória,
mas também enfatizam a necessidade de se dissolver o preconceito que ainda possam despertar em alguns setores de opinião.
De todo modo, a tradição de
convivência religiosa está suficientemente arraigada no Brasil
para afastar-se a ameaça, no tocante aos evangélicos, de que se
tornem vítimas ou agentes de
qualquer tipo de intolerância.
Tanto quanto a liberdade religiosa, é essencial no mundo moderno a separação entre a esfera
das convicções de fé e o ordenamento político e jurídico da sociedade. Tolerância religiosa não
se confunde com tolerância à ilegalidade, e a mobilização de fiéis
não equivale ao julgamento dos
tribunais.
Foi no rumo deste terreno movediço que, por momentos, encaminhou-se a manifestação de segunda-feira. Condenados e presos pela Justiça americana, os
fundadores da Igreja Renascer
não foram vítimas de perseguição religiosa, mas sim flagrados
pela alfândega de Miami com
US$ 56 mil dólares escondidos
em malas, num porta-CDs e
numa Bíblia.
Qualquer que seja a disposição
dos participantes do evento em
relação aos líderes da Renascer,
uma celebração religiosa não é o
palco para a manipulação plebiscitária por parte de personalidades que dominam, ao mesmo
tempo, as linguagens da persuasão política e da mobilização
confessional -como é o caso do
senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que no evento assumiu a defesa do casal condenado.
Seus argumentos, de resto, puderam ser avaliados pelo leitor,
em artigo publicado ontem por
este jornal. O espaço para o debate de pontos de vista, que a Folha
se compromete desde sempre a
manter, em tudo difere do das
manifestações maciças de fé.
Confundi-los é abrir caminho,
não para a afirmação religiosa,
mas sim para a negação da lei.
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