São Paulo, quarta-feira, 06 de dezembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre salários, salários e mais salários

ODED GRAJEW

Os salários desses funcionários públicos são pagos pelo povo deste Brasil, um dos campeões mundiais da injustiça social

OS INTEGRANTES do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) acabam de aprovar a equiparação do teto salarial dos integrantes dos Ministérios Públicos Estaduais -hoje, em R$ 22.111- ao valor pago aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal): R$ 24.500.
A ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), enviou ao Congresso um anteprojeto de lei que elevaria o seu salário mensal para R$ 30 mil, e os salários dos colegas ministros para cerca de R$ 26 mil.
Os membros do CNJ querem aumentar seus salários mensais de R$ 23 mil para R$ 29 mil. Os parlamentares do Congresso Nacional estão preparando um aumento dos seus vencimentos que pode variar de 30% a 90%.
Tudo sem contar as aposentadorias, as férias prolongadas, as mordomias, as isenções fiscais, as verbas suplementares e, em casos do Judiciário, a garantia vitalícia do emprego.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal, os juízes do Conselho Nacional de Justiça, os promotores públicos e os parlamentares são funcionários públicos. Seus salários são pagos pelo povo de um país chamado Brasil, um dos campeões mundiais da injustiça social, onde o salário mínimo é de R$ 350 mensais, onde a metade da população vive na pobreza, onde 20% estão na miséria absoluta e que tem altos indicadores de mortalidade infantil, analfabetismo, violência, desemprego e corrupção.
Nossa Justiça é implacável com o ladrão de galinhas e com os pobres, mas morosa com os poderosos. Os serviços públicos (saúde, educação, transporte, segurança, Justiça) são, em geral, de baixíssima qualidade.
Tanto é que as classes mais ricas, inclusive os parlamentares, promotores e juízes, não os utilizam, preferindo pagar pelos serviços privados. Ao propor um aumento de rendimentos, pelo exemplo que estão dando ao nosso povo, esses graduados funcionários públicos estão empurrando ladeira abaixo o pouco de credibilidade e respeito que a população ainda nutre por seus representantes e pelas instituições públicas.
Como resultado, cada cidadão se vê autorizado a buscar os seus direitos e a justiça com as próprias mãos. A perda da credibilidade da democracia e das instituições públicas acaba sempre por romper os laços de solidariedade, dinamitando a cidadania e estimulando a violência, a corrupção e a ilegalidade.
Outro fato relevante é que esses aumentos irão provocar um efeito cascata nos vencimentos (que estão atrelados aos dos parlamentares e juízes federais) de várias categorias de funcionários públicos federais, estaduais e municipais, exaurindo os já minguados recursos dos serviços públicos.
A proposta do aumento de vencimentos, caso aprovada, demonstraria que a maioria dos nossos parlamentares e juízes não têm compromisso com a sua missão e com a maioria do povo brasileiro que paga seus salários.
Proponho que seja aprovada uma lei que congele nos níveis atuais e converta a remuneração desses funcionários públicos a um múltiplo determinado de salários mínimos. Cada um desses funcionários públicos aqui referidos passaria a receber do povo brasileiro um vencimento mensal (incluindo todos os benefícios) de "x" salários mínimos.
Dessa forma, ficaria visível a proporção entre esses vencimentos e os rendimentos de uma grande parte do povo brasileiro, eliminaríamos o casuísmo e o corporativismo na determinação dos salários e comprometeríamos um pouco mais esses funcionários públicos com o bem-estar da maioria pobre do nosso povo. Seus aumentos salariais seriam atrelados à melhoria das condições de vida da população mais necessitada. Quem sabe, dessa forma, chegaremos mais rapidamente ao salário mínimo constitucional, que garante dignidade a quem o recebe.
Espero que estas considerações e essa proposta possam contribuir para que consciências sejam despertadas na área pública, no movimento sindical, no setor empresarial (que é o principal financiador das campanhas e, portanto, tem grande influência sobre nossos governantes e legisladores) e na sociedade civil em geral, agindo para resguardar o pouco de credibilidade e respeito que ainda resta na sociedade brasileira pelas autoridades e instituições públicas.


ODED GRAJEW, 61, é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, membro do Conselho do Pacto Global, das Nações Unidas, idealizador do Fórum Social Mundial, idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq (1990-1998) e membro do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico. Foi assessor especial do presidente da República (2003).

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