São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

"...Se hace camino al andar..."

Como acontece todos os anos, um grande número de instituições apresentou suas "previsões" para o ano seguinte. Na última semana de 2003, colecionei os números divulgados por 18 instituições: seis consultorias comerciais independentes, sete departamentos econômicos de bancos nacionais e estrangeiros e cinco organismos sem fins lucrativos e com algum compromisso acadêmico. Dando a "astrólogos" e "astrônomos" o mesmo peso, chega-se, como média das "previsões" feitas entre 22 e 26 de dezembro para o ano de 2004, aos números abaixo:




Qual é o valor que se pode dar a tais números? Têm os economistas (mesmo os que se supõem "astrônomos") algum mecanismo para romper a opacidade do futuro? Existe alguma forma de eliminar a "incerteza essencial" que cerca o futuro do sistema econômico até quando ele se revele a todos e, ao mesmo tempo, como presente ou passado? É um fato conhecido que na economia algumas séries são não-ergódicas (isto é, não conservam a mesma média e a mesma variabilidade), o que significa que o futuro não está contido nas informações do passado. O que será 2004 certamente não está contido nessas "previsões" que incorporam as informações que os agentes têm hoje sobre o comportamento do governo Lula e da conjuntura internacional. Esta também é cercada de uma "incerteza essencial", revelada a cada passo no comportamento do governo Bush, que vai cerceando a liberdade individual com a justificativa de combater o "terror". As pequenas variações da estimativa do PIB (concentrada em 3,5%) e da estimativa do IPCA (distribuída entre 5,3% e 6,5%) são extremamente suspeitas e indicam que os "previsores" têm um comportamento de "hedge preventivo", porque: 1) ou assegura a todos pequenos erros, o que não pode diferenciá-los, ou 2) assegura que todos erram juntos, mas significativamente, o que também impede a sua diferenciação.
Essas "previsões", portanto, têm de ser tomadas pelo que são: palpites mais ou menos informados. Para se convencer disso, basta comparar o que "previam" os supostamente bem informados em dezembro de 2002 sobre o que seria 2003:




O ano de 2004 não será o que está previsto pelos "bem informados", mas, sim, o que fizermos os cidadãos e o governo. A "previsão" revela, entretanto, duas informações preocupantes: 1) ninguém prevê um crescimento do PIB de 5%, porque, dada a estrutura econômica construída nos últimos anos (concentração e informalidade), ele poderia, mesmo, ameaçar a estabilidade e 2) o grosso das previsões de exportação se concentram em ridículos US$ 77 bilhões!
Como ensinou o grande Antonio Machado: "Caminante no hay camino, se hace camino al andar"...

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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