São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Curral de luxo

A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados se dá em clima de desprezo pela opinião pública

ARRASTA-SE , no limbo do recesso parlamentar, a disputa entre os deputados Aldo Rebelo (PC do B-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP) pela presidência da Câmara dos Deputados.
É comum comparar-se a uma novela todo enredo que não ata nem desata, mas cabe convir que a teledramaturgia brasileira sabe proporcionar ao espectador alguns instantes esporádicos de emoção, imagens de certo apuro estético e mesmo rudimentos de moralidade que a tediosa e travada pugna entre os dois parlamentares da base governista está longe de ostentar.
Não poderia ser outro o efeito de uma trama cujos personagens se desinteressam totalmente de dar satisfações à opinião pública. Tudo se passa como se estivéssemos diante das eleições para a diretoria de um grêmio recreativo numa cidadezinha longínqua do interior, e não traçando o perfil que terá o centro do poder legislativo do país.
Num Congresso desmoralizado por uma seqüência, talvez inédita na história, de escândalos e desmandos, nem um nem outro candidato parece disposto a fazer da recuperação da ética parlamentar um tema relevante de campanha.
Na verdade, foi bem o contrário disso que se viu quando Aldo Rebelo, presidindo a Câmara e já postulante à reeleição, advogou com a impavidez de costume um aberrante aumento salarial de 91% para seus pares. São estes, afinal, os eleitores que contam no momento; não aqueles que, com seus impostos, haveriam de pagar pelo piquenique.
É que o confronto se dá "interna corporis". Prevalecendo o voto secreto na eleição para a presidência da Câmara, trata-se de atender apenas aos interesses menos públicos de um eleitorado reduzido, ávido de privilégios novos e assegurado na sua impunidade costumeira. Aqui, como em qualquer outra deliberação do Parlamento, somente o voto aberto poderia garantir um mínimo de controle republicano ao desfecho do episódio.
À falta de qualquer transparência decisória prevalecem o populismo paroquial, a demagogia entre compadres, o curral de luxo: o público ao qual se acena com promessas não mais corresponde às "massas excluídas", termo de saudosa memória no vocabulário destes dois antigos próceres da esquerda, mas, sim, a esse insaciável lumpesinato de gravata que hoje atende pelo nome de baixo clero.
Nada mais sintomático do descompasso entre os sentimentos da opinião pública e as movimentações da dupla favorita do que a idéia, aventada recentemente, de lançar-se uma "anticandidatura" para a Presidência da Câmara. Sabendo-se com reduzidas chances de sucesso eleitoral, a iniciativa viria pelo menos a expressar aspirações de renovação ética no Congresso.
Um imperativo urgente na democracia brasileira se vê confinado, assim, ao plano das virtualidades e dos atos simbólicos de protesto. Na vida real, enquanto isso, Rebelo e Chinaglia evoluem no seu patético "pas de deux". Já houve algumas danças mais animadas no salão.


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