São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Novidades da guerra em Gaza

JORGE ZAVERUCHA


Israel tem usado força proporcional à ameaça militar existente, visando, unicamente, acabar com a fonte da agressão

O ATAQUE israelense na faixa de Gaza contra o Hamas é uma ação "defensiva, e não ofensiva". Quem assim inovou foi o ministro das Relações Exteriores da República Checa, Karel Schwarzenberg, também presidente da União Europeia. Certamente sua memória sobre a ocupação soviética o torna menos tolerante com ditaduras laicas ou religiosas do que alguns de seus colegas europeus ocidentais.
Diplomaticamente, faz tempo que Israel não recebe tanto apoio da comunidade internacional. Há críticas verbais, mas estas são para efeito externo. Na prática, foi dada permissão para Israel enfraquecer o Hamas, desde que a operação militar não dure muito tempo nem que Gaza seja ocupada indefinidamente. E é exatamente isso que Israel almeja.
Não interessa nem à maioria dos países ocidentais nem aos países árabes "moderados" (Egito, Jordânia e Arábia Saudita, por exemplo) o fortalecimento de uma filial do Irã na faixa de Gaza. Uma coisa é o eixo Irã-Hamas-Hizbollah; outra é a causa palestina sob os auspícios da Autoridade Nacional Palestina.
A Turquia surpreende pela sua virulência anti-Israel, logo ela que não aceita a independência curda em seu território. Já o Egito inovou ao criticar publicamente o Hamas por dar o pretexto para a operação militar por meio de indiscriminados ataques de foguetes contra civis israelenses, muito embora boa parte das armas contrabandeadas para Gaza sejam feitas a partir de território egípcio.
O revide israelense está dentro dos cânones da lei internacional. Israel tem usado força proporcional à ameaça militar existente, visando, unicamente, acabar com a fonte da agressão. Infelizmente, isso gera a morte de inocentes que são usados como escudos humanos pelo Hamas.
Como o bombardeio aéreo não foi suficiente para neutralizar o lançamento de foguetes, fez-se necessário a operação terrestre sob o ponto de vista israelense. E, lamentavelmente, mais civis morrerão.
Quanto ao Egito, seu temor não é de pouca monta. Mubarak nega-se a abrir a passagem de Rafah para o Hamas enquanto a Autoridade Nacional Palestina não voltar a dominar Gaza.
O atual presidente egípcio já tem, internamente, problemas demais com o radicalismo islâmico. Foi um grupo fundamentalista que assassinou o presidente Sadat. O hoje braço direito de Bin Laden, Ayman al Zawahiri, participou do complô que matou o presidente egípcio que fez a paz com Israel e ganhou a península do Sinai em troca.
A irritação com Mubarak chegou ao ponto de o líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah, ter pedido que a população egípcia derrubasse o presidente egípcio pela ajuda que estaria dando a Israel na luta contra o Hamas.
O Hizbollah e o Hamas são novos atores políticos não estatais no conflito e disputam proeminência com tradicionais Estados árabes. Mais um fator de instabilidade na região.
Outra novidade é a fratura exposta da liderança palestina durante a guerra contra Israel.
O Hamas, embora democraticamente eleito pela população de Gaza, instaurou uma ditadura que, inclusive, matou e expulsou palestinos do grupo Fatah. Este é laico e, ao contrário do Hamas, reconhece o direito à existência do Estado de Israel.
O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, quer retomar o controle político sobre Gaza e sobre o processo de paz com Israel. Mas isso só será possível, paradoxalmente, caso Israel enfraqueça o fundamentalismo islâmico palestino.
É Israel, inclusive, que tem contribuído para que o Hamas não tome a Cisjordânia. Por cálculo político. O Fatah é esperança de retomada de negociações de paz, algo impossível com o Hamas. Afinal, Israel retirou-se unilateralmente de Gaza, em 2005, e o número de foguetes lançados pelo Hamas a território israelense cresceu em número e em abrangência.
O fortalecimento do Fatah vis-à-vis o Hamas poderá ser a novidade positiva do presente conflito. A depender do (in)sucesso militar de Israel.
O Hamas subestimou a reação israelense. Com um primeiro-ministro enfraquecido e às vésperas de eleição parlamentar, o Hamas achou que poderia conseguir uma vitória política como a que o Hizbollah conquistou, recentemente, contra Israel na Guerra do Líbano.
Só que Israel aprendeu com seus erros. Militarmente, a operação está sendo bem conduzida. E os políticos, até o momento, estão unidos em torno do interesse estratégico do país. A saber, reembaralhar as cartas de tal modo que o Hamas não possa voltar a se armar como antes.


JORGE ZAVERUCHA, 53, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.


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