São Paulo, Quinta-feira, 07 de Janeiro de 1999
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O Congresso com a palavra


O Brasil assinou e não cumpriu sete cartas de intenção ao FMI no passado; desta vez será diferente?


ALCIDES AMARAL

Ao contrário de 1998, quando começamos o ano embriagados de otimismo, pois havíamos superado os efeitos da crise asiática com alguma competência, o ano de 1999 começa cercado de pessimismo em relação a nossos parceiros do exterior. Tudo começou naquela triste noite de 3 de dezembro, quando o Congresso rejeitou a proposta governamental de aumento das contribuições previdenciárias dos servidores. Não pelos R$ 2,5 bilhões de arrecadação adicional perdida, mas sim pelo ato político: o "não" do Congresso, que deixou todos perplexos.
Vamos aos fatos. A crise russa do segundo semestre de 98 atingiu dimensões antes não imaginadas, com impactos sobre os países de economias desenvolvidas. O Brasil não só não escapou do furacão (perda de cerca de US$ 30 bilhões em reservas internacionais) como teve sua credibilidade afetada quando se percebeu que seus fundamentos não estavam em tão boa ordem como se imaginava. O "pacote 51" -medidas prontamente tomadas após a crise asiática de 97- vingou no que teve de aumento de receitas, mas muito pouco -ou quase nada- no controle das despesas. O déficit do setor público continuou subindo, e os altos juros, necessários à proteção do real, passaram a ter efeito devastador.
Felizmente, como o problema não era só nosso e uma crise maior no Brasil poderia significar o colapso da América Latina, o FMI e os governos de 20 países movimentaram-se para fazer com que nós tivéssemos os recursos suficientes para superar as dificuldades de curto prazo, até podermos recolocar nossa economia -e, em especial, o setor público- na trilha correta. Assim, tivemos à nossa disposição um pacote de suporte da ordem de US$ 41,5 bilhões, cifra que nos faria atravessar 1999 sem maiores percalços.
Com a ajuda externa garantida e o Programa de Estabilidade Fiscal elaborado, a área econômica do governo, liderada pelo ministro Pedro Malan, efetuou vitorioso "road show" ao redor do mundo. Foi apresentado à comunidade financeira internacional, em Nova York, Londres, Paris, Frankfurt e Tóquio, um plano de ajuste fiscal consistente, com 70% das medidas já implementadas e as restantes a serem aprovadas pelo Congresso até dezembro de 1998. Os ventos começaram a nos favorecer novamente; novembro foi um mês de boas notícias.
Entretanto, passados alguns dias desse giro encorajador e, talvez por ironia, no dia em que o FMI aprovava formalmente o pacote de ajuda ao Brasil, o Congresso disse "não" -e, o que é pior, sem dar alternativas de como recompor a arrecadação não obtida.
Daí para a frente, foi o que se viu. A Bolsa em baixa, o fluxo de capitais negativo, a credibilidade reconquistada a duras penas colocada em xeque novamente. A pergunta que ficou (e prevalece) é: o Brasil assinou e não cumpriu sete cartas de intenção ao FMI no passado; desta vez será diferente?
Estamos, pois, começando assim 99. A desconfiança é grande, nossa capacidade de reagir está sendo questionada e o acordo com o FMI é tido como muito difícil de ser cumprido. Medidas compensatórias para fechar as contas neste ano são bem-vindas e necessárias, mas, a nosso ver, a confiança no país e a credibilidade só serão definitivamente recuperadas por um ato político.
Ninguém espera que o Congresso aprove de olhos fechados as propostas que vêm do Executivo. Ao contrário: a expectativa é que a classe política contribua com sua inteligência para que as medidas sejam aperfeiçoadas e para que possamos ter um país mais justo, com distribuição adequada de ônus e benefícios. O que o mercado não aceita é quando temos o "não" pelo "não" e tudo se mantém como está.
Janeiro e fevereiro serão, portanto, fundamentais para o futuro do nosso país. Quando sabemos que nossas necessidades externas em 99 serão da ordem de US$ 60 bilhões -rolagem e financiamento do déficit em conta corrente-, não temos muito tempo a perder. A resposta do Congresso, com a aprovação da CPMF e a redução do déficit previdenciário do setor público, é o caminho mais curto (e talvez o único) para que a economia volte a crescer ainda neste ano.


Alcides S. Amaral, 62, é diretor-presidente do Citibank S/A e membro do conselho superior da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos).



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