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JOÃO SAYAD
Carnaval
Passamos o ano inteiro acusando
os programas sociais do governo
por desperdício. O mesmo dinheiro
mais bem aplicado teria maiores efeitos.
Há pessoas que receberam renda
mínima indevidamente por politicagem ou falta de controle. O SUS paga
os exames mais caros de quem tem seguro de saúde porque o seguro privado não cobre. Na universidade pública, há alunos que poderiam pagar e
não pagam. Na Previdência, descobrem-se aposentadorias milionárias
que alguns funcionários públicos conseguiram na Justiça. O incentivo fiscal
para a cultura às vezes financia filmes,
exposições ou livros que não precisavam do dinheiro público. Brasileiros
que ganham renda média (num país
pobre, quem recebe a média não é da
classe média) se beneficiam dos gastos
sociais do governo.
Todas as políticas públicas são acusadas de falta de foco (atingem pessoas que não precisavam ser atendidas) ou "lateral damage" como as vítimas das bombas teleguiadas que atingem escolas ou hospitais no Iraque.
Durante o Carnaval, pobre se fantasia de rico; rico, de pobre; homem, de
mulher. O Carnaval vira o mundo de
cabeça para baixo. Não é desordem. É
uma outra ordem, descanso consentido da posição social desconfortável
que prevalece no resto do ano: por
uma semana, o pobre manda e não é
mandado; e o rico disfarçado de pobre
se protege da inveja.
Nesta segunda-feira, podemos inverter a análise e discutir a falta de foco
e o "lateral damage" causado pela política monetária. Juros altos se justificam para combater a inflação. São pagos por todos os contribuintes, ou seja, mais pelos pobres do que pelos ricos. Não afetam as tarifas públicas indexadas à inflação passada, que representam mais do que 5% do índice de
custo de vida. Não reduzem os preços
internacionais do petróleo, do aço, da
soja, do suco de laranja, que mais afetam a inflação dos últimos dois anos.
Como "lateral damage" reduzem a taxa de câmbio, que não deviam reduzir, e impedem que o Brasil recomponha as reservas, pois seria muito caro
financiar reservas com juros tão altos.
Finalmente, reduzem o crescimento
da economia.
Custam 12% em termos reais sobre
uma dívida de 50% do produto nacional, ou seja, 6% do produto. Se reduzem em dois pontos percentuais o
crescimento, o custo total é 8% do
produto, US$ 48 bilhões ou R$ 120 bilhões por ano. Se as políticas sociais
reduzem pouco a pobreza, a política
monetária não reduz muito a inflação,
principalmente quando é importada.
Se o objetivo fosse analisar racionalmente os gastos do governo deveriam
comparar o desperdício e "lateral damages" da política monetária com os
desperdícios dos gastos sociais. A política monetária perderia na comparação.
A comparação dos desperdícios das
duas políticas é apenas um descanso
do discurso do ano inteiro, legítimo
nesta semana de Carnaval. Depois da
quarta-feira, continuaremos a ler e
ouvir que dá para reduzir gastos sociais, mas que não é possível reduzir
os juros.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@attglobal.net
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