São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOÃO SAYAD

Carnaval

Passamos o ano inteiro acusando os programas sociais do governo por desperdício. O mesmo dinheiro mais bem aplicado teria maiores efeitos.
Há pessoas que receberam renda mínima indevidamente por politicagem ou falta de controle. O SUS paga os exames mais caros de quem tem seguro de saúde porque o seguro privado não cobre. Na universidade pública, há alunos que poderiam pagar e não pagam. Na Previdência, descobrem-se aposentadorias milionárias que alguns funcionários públicos conseguiram na Justiça. O incentivo fiscal para a cultura às vezes financia filmes, exposições ou livros que não precisavam do dinheiro público. Brasileiros que ganham renda média (num país pobre, quem recebe a média não é da classe média) se beneficiam dos gastos sociais do governo.
Todas as políticas públicas são acusadas de falta de foco (atingem pessoas que não precisavam ser atendidas) ou "lateral damage" como as vítimas das bombas teleguiadas que atingem escolas ou hospitais no Iraque.
Durante o Carnaval, pobre se fantasia de rico; rico, de pobre; homem, de mulher. O Carnaval vira o mundo de cabeça para baixo. Não é desordem. É uma outra ordem, descanso consentido da posição social desconfortável que prevalece no resto do ano: por uma semana, o pobre manda e não é mandado; e o rico disfarçado de pobre se protege da inveja.
Nesta segunda-feira, podemos inverter a análise e discutir a falta de foco e o "lateral damage" causado pela política monetária. Juros altos se justificam para combater a inflação. São pagos por todos os contribuintes, ou seja, mais pelos pobres do que pelos ricos. Não afetam as tarifas públicas indexadas à inflação passada, que representam mais do que 5% do índice de custo de vida. Não reduzem os preços internacionais do petróleo, do aço, da soja, do suco de laranja, que mais afetam a inflação dos últimos dois anos. Como "lateral damage" reduzem a taxa de câmbio, que não deviam reduzir, e impedem que o Brasil recomponha as reservas, pois seria muito caro financiar reservas com juros tão altos. Finalmente, reduzem o crescimento da economia.
Custam 12% em termos reais sobre uma dívida de 50% do produto nacional, ou seja, 6% do produto. Se reduzem em dois pontos percentuais o crescimento, o custo total é 8% do produto, US$ 48 bilhões ou R$ 120 bilhões por ano. Se as políticas sociais reduzem pouco a pobreza, a política monetária não reduz muito a inflação, principalmente quando é importada.
Se o objetivo fosse analisar racionalmente os gastos do governo deveriam comparar o desperdício e "lateral damages" da política monetária com os desperdícios dos gastos sociais. A política monetária perderia na comparação.
A comparação dos desperdícios das duas políticas é apenas um descanso do discurso do ano inteiro, legítimo nesta semana de Carnaval. Depois da quarta-feira, continuaremos a ler e ouvir que dá para reduzir gastos sociais, mas que não é possível reduzir os juros.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.

E-mail: jsayad@attglobal.net


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Claudia Antunes: Contradições cariocas
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.