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CLÓVIS ROSSI
O profeta e a incomunicação
SÃO PAULO - Seis mortos por causa de desenhos do profeta Muhammad
parece uma cota de sangue irracional
até para a irracionalidade dos tempos que correm. Pior: não é uma situação que permite o preto-e-branco
fácil de mocinhos defensores da liberdade de expressão versus fanáticos.
À primeira vista, de fato, assumir a
defesa da liberdade de expressão é
francamente tentador. Mas convém
tentar pensar com a cabeça do outro,
no caso os muçulmanos. Tariq Ramadan, um dos grandes intelectuais
do islamismo, professor visitante do
St. Antony's College (Oxford), em entrevista transformada em artigo por
"The International Herald Tribune",
explica pacientemente duas coisas:
primeiro, a já sabida informação de
que os princípios islâmicos proíbem
expressa e claramente a representação não só de Muhammad mas "de
todos os profetas do Islã".
Segundo, "no mundo muçulmano,
não estamos acostumados a rir da religião, da nossa ou de qualquer outro. Por isso, as ilustrações são vistas,
pelo muçulmano médio e não apenas
pelos radicais, como uma transgressão contra algo sagrado, uma provocação contra o Islã".
Para os ocidentais, com raras exceções, é usual rir de tudo ou quase tudo, inclusive da religião. Logo, há um
choque cultural que dificulta enormemente entender as reações. Mas,
ao mesmo tempo, é difícil entender
certas reações dos próprios muçulmanos, como a de Omar Khayam, de
22 anos, que foi o escândalo de ontem
na mídia britânica ao aparecer vestido de homem-bomba em manifestação no domingo em Londres.
Não é rir da dor e da sensibilidade
alheia vestir-se dessa forma em uma
cidade que faz poucos meses foi alvo
de homens-bomba?
Não para Omar, que disse ao
"Daily Express" que sua roupa não é
"ilegal" e pode até ser comprada em
qualquer loja.
Na era da comunicação instantânea, vai ser difícil encontrar exemplo
mais completo de incomunicação entre culturas do que no episódios dos
desenhos do profeta.
@ - crossi@uol.com.br
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