São Paulo, terça-feira, 07 de fevereiro de 2006

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CLÓVIS ROSSI

O profeta e a incomunicação

SÃO PAULO - Seis mortos por causa de desenhos do profeta Muhammad parece uma cota de sangue irracional até para a irracionalidade dos tempos que correm. Pior: não é uma situação que permite o preto-e-branco fácil de mocinhos defensores da liberdade de expressão versus fanáticos.
À primeira vista, de fato, assumir a defesa da liberdade de expressão é francamente tentador. Mas convém tentar pensar com a cabeça do outro, no caso os muçulmanos. Tariq Ramadan, um dos grandes intelectuais do islamismo, professor visitante do St. Antony's College (Oxford), em entrevista transformada em artigo por "The International Herald Tribune", explica pacientemente duas coisas: primeiro, a já sabida informação de que os princípios islâmicos proíbem expressa e claramente a representação não só de Muhammad mas "de todos os profetas do Islã".
Segundo, "no mundo muçulmano, não estamos acostumados a rir da religião, da nossa ou de qualquer outro. Por isso, as ilustrações são vistas, pelo muçulmano médio e não apenas pelos radicais, como uma transgressão contra algo sagrado, uma provocação contra o Islã".
Para os ocidentais, com raras exceções, é usual rir de tudo ou quase tudo, inclusive da religião. Logo, há um choque cultural que dificulta enormemente entender as reações. Mas, ao mesmo tempo, é difícil entender certas reações dos próprios muçulmanos, como a de Omar Khayam, de 22 anos, que foi o escândalo de ontem na mídia britânica ao aparecer vestido de homem-bomba em manifestação no domingo em Londres.
Não é rir da dor e da sensibilidade alheia vestir-se dessa forma em uma cidade que faz poucos meses foi alvo de homens-bomba?
Não para Omar, que disse ao "Daily Express" que sua roupa não é "ilegal" e pode até ser comprada em qualquer loja.
Na era da comunicação instantânea, vai ser difícil encontrar exemplo mais completo de incomunicação entre culturas do que no episódios dos desenhos do profeta.

@ - crossi@uol.com.br


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