São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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SELEÇÃO TUTELADA

O colunista Juca Kfouri, desta Folha, revelou no último domingo trechos do contrato, assinado em 1996, entre a Confederação Brasileira de Futebol e a Nike, fabricante transnacional de material esportivo.
O documento institui à primeira vista um mecanismo de patrocínio pelo qual a CBF receberia US$ 160 milhões durante os dez anos em que ele estiver em vigor. Em verdade, no entanto, o patrocinador passa a exercer uma rígida e intolerável tutela sobre a seleção brasileira de futebol.
A CBF é uma entidade de direito privado. Seria por isso descabido acusá-la de ter abdicado de algo que nas relações internacionais se define como o princípio da soberania.
Mas é também verdade que o futebol expressa um componente cultural importante no Brasil. Quando a seleção entra em campo, é a paixão e não a indiferença que se apodera da ampla maioria dos brasileiros.
Sabe-se que todo grande encontro esportivo exige uma retaguarda de decisões técnicas. No caso da seleção, são em princípio as partidas amistosas que permitem testar esquemas táticos, amadurecer talentos e formar as bases de uma seleção apta a disputar a Copa da Mundo.
A CBF está, porém, com sua autonomia de escolha comprometida, para dizer o mínimo. Deverá disputar, em 99, cinco amistosos com times escolhidos pelo patrocinador. Neles, pertencerá à Nike a bilheteria e os direitos de transmissão para qualquer país que não seja o Brasil. Se quiser escolher adversários para amistosos, a seleção deverá na prática se limitar à África, Oceania e América Latina. É o que diz o contrato, estranhamente mantido em sigilo.
O conhecimento detalhado de seu conteúdo lança luz sobre uma estrutura de poder, a do futebol brasileiro, que tem gerado clientelismo e suspeitas de corrupção e em torno da qual gravitam cartolas e personagens notórios, que têm por vezes usado o esporte para ascender politicamente.
A gestão empresarial do esporte requer profissionalismo e independência. Não é isso o que emana do contrato da CBF com a Nike.



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