São Paulo, Domingo, 07 de Março de 1999
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SINAIS DE ALERTA

Seria certamente um exagero dizer que o país se encontra à beira de uma convulsão social. Não menos imprudente, porém, seria pretender que não há razões para apreensão, apenas porque a população suporta silenciosa e passivamente o peso de uma galopante crise econômica.
Antes de mais nada, porque ninguém tem mais ilusões de que o remédio do governo federal para o desarranjo financeiro provocará uma forte recessão, ou seja, agravará ainda mais o passivo social num país ancestralmente injusto nesse particular como o Brasil. Depois, porque ressurgem aqui e ali manifestações de inconformismo com o contínuo retesamento da corda na ponta dos mais fracos.
A retomada de invasões provocadoras de prédios públicos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, é um sintoma que não deve ser desconsiderado. Não tanto por sua representatividade -de resto inexistente, ou diminuta- em relação à massa de pobres e excluídos. Pelo contrário: é na arte oportunista de encampar insatisfações ainda embrionárias, mas com potencial explosivo, que o MST consegue incrementar sua visibilidade.
Assim ocorreu, rememore-se, na onda de saques que assolou o Nordeste, em maio do ano passado. Certa ou erradamente, o MST terminou identificado como o principal incitador das desordens, ainda que relatório da Polícia Federal, na época, tenha indicado seu envolvimento em apenas 9 de 46 distúrbios.
A esse respeito, cabe notar que a invasão do prédio do Ministério da Fazenda em Porto Alegre foi precedida de algumas notícias esparsas de novos saques, nas duas últimas semanas. Cerca de 500 flagelados da seca prolongada invadiram um depósito de alimentos do Programa Comunidade Solidária na Paraíba, há pouco mais de uma semana. Dias antes, dois supermercados haviam sido vandalizados na cidade de São Paulo e 40 imóveis, invadidos, episódios ocorridos no espaço de 24 horas e no mesmo bairro, Itaim Paulista.
Fatos isolados? Por certo. Somente a miopia social e política, contudo, justificaria ignorar que tais manifestações desorganizadas tendem a proliferar em situações de desemprego crescente e de falta de perspectivas, quando sindicatos e outras organizações sociais vêem esvair-se muito de sua capacidade de mobilização.
Entre outros efeitos previsíveis do agravamento da crise social está a queda da popularidade do presidente da República. Na cidade de São Paulo, FHC amarga 43% de "ruim/péssimo", contra apenas 18% de "ótimo/bom" apurados em pesquisa Datafolha divulgada hoje por este jornal. Por mais que seus índices de avaliação tenham sido injustificadamente contaminados pela óbvia irritação do paulistano com as enchentes, é resultado que o Planalto deve tomar como um sinal alerta.
O próprio Fernando Henrique Cardoso previu, diante de parlamentares do PSDB e do PTB, que a avaliação de seu prestígio vai cair ainda mais. "Quem governa olhando as curvas de popularidade quebra a cara no final", teria afirmado. Corajosamente, FHC sustentou que não teme os danos à sua imagem, decerto confiando que eles sejam passageiros.
É fato que governantes precisam por vezes contrariar as expectativas imediatas dos cidadãos, para manter a racionalidade de suas políticas. Em algum momento, porém, essas medidas têm de produzir resultados concretos para todos, particularmente numa nação com os níveis acabrunhantes de miséria vigentes no Brasil, sob pena de ver desmanchar-se o próprio tecido social, e não só o prestígio pessoal do governante.


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