São Paulo, Domingo, 07 de Março de 1999
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Privatizar as exportações


Precisamos dos órgãos do governo, sim; mas precisamos mais ainda de liberdade para os empreendedores privados


HORACIO LAFER PIVA

Manda a boa política que os problemas complicados comecem a ser enfrentados pelos pontos em que há consenso. Hoje, todos no Brasil concordam que precisamos, com urgência, de dólares. Pois a maneira honesta e direta de obter dólares é fabricar ótimos produtos no país e vendê-los no exterior.
Vamos evitar, por ora, a questão crítica sobre a qual não há consenso entre a indústria (e a sociedade) e a equipe econômica: os juros absurdamente altos. Sobre esse tema-chave, a indústria de São Paulo está se preparando para agir, enquanto escoa a trégua que se impôs depois da dramática e canhestra desvalorização cambial de janeiro.
Neste instante, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo propõe o trabalho concentrado de todas as forças econômicas para acelerar rapidamente as exportações brasileiras, especialmente as de manufaturados. Mas a essa proposta, facilmente consensual, a Fiesp adiciona uma característica especial: quer esse "export drive" organizado e liderado pelo setor privado, assistido de perto, é claro, pelos órgãos governamentais.
Não que o interesse do governo não seja crítico para o sucesso de uma campanha de exportação. Tornou-se, porém, tão urgente obter um forte superávit na balança comercial que será preciso engajar todo o interesse e todo o dinamismo da iniciativa privada nesse esforço concentrado (destinado, aliás, a durar muitos anos, se houver o desejo de livrar o Brasil da eterna dependência dos credores externos).
Trata-se de aplicar o "tempo do empreendedor" -ou seja, o ritmo intenso e a lógica pragmática do empresário privado- a uma atividade por tanto tempo negligenciada pelas equipes econômicas do governo. Mesmo neste momento de grave crise, o governo não supera ambiguidades de comando, decorrentes, por exemplo, da existência simultânea da Camex (Câmara de Comércio Exterior), instalada no Palácio do Planalto, e de um novo Ministério do Desenvolvimento.
Não é a única ambiguidade. Supostamente, quem vai exportar é o setor privado. E não há um único representante do setor privado no conselho da Camex. Os tempos são aqueles da burocracia. Não há reunião plenária marcada para a Camex, juntando os 14 gerentes temáticos e os 58 gerentes setoriais da área privada. Talvez em maio...
A cultura exportadora do Brasil está, em boa medida, ligada ao Estado. Fala-se em exportação e se pensa em BNDES, Banco do Brasil, Banco Central, Receita Federal. Em lugar de cuidar de negócios, o exportador brasileiro é obrigado a frequentar corredores ministeriais. Precisamos dos órgãos do governo, sim -mas precisamos mais ainda de espaço e liberdade para os empreendedores privados.
A Fiesp propõe uma reviravolta nisso tudo. Uma rápida e profunda liberalização nas exportações, decretada pelo governo ainda neste mês, pela via da mais radical desburocratização e da desregulamentação. Um choque de exportação. Ironicamente, algo em simetria com aquela repentina liberalização das importações, decidida em 1990 e confirmada em 1994, que tão brutalmente afetaria a indústria. Só que, agora, para o bem do déficit de contas correntes e do nível de emprego do Brasil.
Não se pode falar em privatização das exportações sem mencionar a necessidade crítica da participação dos bancos privados. Os "traders" brasileiros já fizeram dezenas de sugestões, a fim de atrair esses bancos para financiar vendas no exterior. Sugestões que dependem, como sempre, da autorização do governo, mas precisam ser adotadas rapidamente, em ritmo novo.
Também é preciso falar no importante papel a ser desempenhado pelas pequenas e médias empresas. Há espaço para elas em muitas iniciativas. Talvez em estreita parceria com as multinacionais, que serviriam como canais já prontos para a entrada nos mercados mundiais. As redes de pequenos supridores locais ajudariam a agregar mais percentual brasileiro aos produtos colocados mundialmente pelas múltis.
Nessas direções gerais pode encaminhar-se o trabalho das entidades industriais privadas. Ao governo restará a gigantesca tarefa de remover obstáculos ao florescimento das futuras "fábricas de dólares". A lista de obstáculos é, infelizmente, enorme: impostos em cascata, encargos excessivos, inexistência de seguros de exportação, falta de isonomia em relação aos competidores internacionais. "Custo Brasil", enfim.
Com tal abertura às exportações, fácil de aplicar na microeconomia, o Brasil daria a partida para sua volta à normalidade do mercado. O governo de Fernando Henrique Cardoso ganharia, assim, tempo para recompor sua política econômica sem insistir na linha monetarista, totalmente exaurida.


Horacio Lafer Piva, 41, industrial, é presidente da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).



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