São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Descolando...

Na semana passada, houve uma reconversão significativa na política econômica. Em 1990, no governo Collor, reduziram-se as tarifas alfandegárias unilateralmente, medida perfeitamente razoável se fosse dentro de um programa de desenvolvimento. Simultaneamente, valorizou-se a taxa de câmbio e se fez um corte dramático da liquidez da economia. A grande mudança "ideológica" introduzida por aquele Governo consistia em "desmontar" o Estado, dar ênfase ao papel dos mercados e submeter o país a um "choque" de produtividade!
O resultado de tal aventura todos nós conhecemos. No período 1990/92:
1) o PIB caiu 4,6%;
2) o produto industrial caiu 12,7%;
3) a taxa de inflação caiu de 2.950% em 1990 para 433% em 1991 e voltou a aumentar para 950% em 1992;
4) a taxa de desemprego aberto iniciou um processo de aumento (de 3,3% em 1989 para 5,7% em 1992) e nunca mais registrou redução. No momento, anda em torno de 12%;
5) as exportações estagnaram. A média anual de US$ 31,5 bilhões em 1987/89 foi praticamente a mesma de 1990/92 (US$ 32,9 bilhões).
Collor foi substituído por Itamar Franco, que moderou a fúria mercadista. Seu governo registra (para tristeza de muitos), o "último suspiro" de desenvolvimento do Brasil. Em 1993/ 94, crescemos à taxa média de 5,4%, e o produto industrial recuperou-se em 13,8%, voltando ao nível devastado por Collor. O balanço em conta corrente foi equilibrado, mas, infelizmente, a taxa de inflação continuou no nível de 2.000% anuais.
No governo Fernando Henrique Cardoso, graças a um sofisticado plano de estabilização, foi possível aprofundar a fúria "liberal" de Collor! A sua "filosofia" levou à venda às pressas das estatais (o que não foi um mal em si mesmo) para ajudar a financiar um déficit em conta corrente de R$ 180 bilhões! A idéia era simples: uma vez estabelecida a estabilidade monetária e "algemado" o Estado, o famoso "mercado" produziria a volta do desenvolvimento. A "ciência econômica" do governo FHC era um pouco mais sofisticada do que a de Collor, mas com o mesmo "viés ideológico".
O Brasil deve a Fernando Henrique Cardoso alguns avanços importantes: 1º) a idéia que o equilíbrio fiscal é imprescindível e que, sem ele, não há como manter a estabilidade monetária; 2º) a prova quase de laboratório que o equilíbrio monetário é apenas necessário, mas não suficiente para o desenvolvimento. Ele mesmo viu isso quando, num momento de lucidez, impôs o Moderfrota aos seus financistas...
O pífio desenvolvimento do país nos últimos dez anos é a prova concreta de que, sem políticas públicas adequadas, o Brasil jamais voltará a crescer. Nenhum país do mundo (nenhum!) cresceu com a sinistra combinação de "mercado" com Estado "algemado"!
Pois bem, na semana passada, graças à insistência do ilustre ministro Luiz Fernando Furlan, tivemos o lançamento de um "esboço" de política industrial que, levado a sério, aperfeiçoado e bem coordenado, poderá fazer a diferença de qualidade que tantos esperavam do governo do sr. Luis Inácio Lula da Silva.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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