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ANTONIO DELFIM NETTO
Desperdício da credibilidade
TODAS AS SEITAS têm necessidade de criar códigos de linguagem para proteger a comunicação entre seus adeptos. Assim suas mensagens serão entendidas apenas por seu praticante.
Os Bancos Centrais sempre foram considerados "templos de segredos" controlados por membros
de uma seita universal de economistas que se creem portadores da
verdadeira ciência monetária. Os
seus conhecimentos transcenderiam à capacidade de compreensão
dos governantes eleitos e, com
maior razão, ao rudimentar entendimento do homem comum que
despreocupadamente os elege.
Não é de surpreender, portanto,
que ao longo dos anos eles tenham
inventado o "bancentralês". Trata-se de linguagem para "esconder" o
pensamento. Este deve ser formulado com complexidade para parecer coisa profunda e séria.
A última reunião do Copom nos
brindou com uma ata que contém
esta enigmática joia do bancentralês tupiniquim: "Note-se, adicionalmente, que também houve consenso entre os membros do Comitê
quanto à necessidade de se adequar o ritmo do ajuste da taxa básica de juros à evolução do inflacionário prospectivo, bem como ao
correspondente balanço de riscos,
de forma a limitar os impactos causados pelo comportamento da inflação corrente sobre a dinâmica
subjacente dos preços".
Qual foi o "consenso" inicial a
que haviam chegado os membros
do Copom? Aparentemente que,
no cenário de referência usado por
eles, que pressupõe a manutenção
do atual patamar de juros e a taxa
de câmbio de R$ 1,80, a projeção
para a inflação de 2010 encontra-se
"sensivelmente" acima da meta de
inflação anual de 4,5%. Mas, então,
por que o "consenso" não votou o
aumento da taxa, como é sua obrigação? Talvez a lógica "dialética"
explique.
Para os humildes seguidores da
velha lógica aristotélica, só algum
segredo conhecido apenas pelos
sacerdotes do "templo" impediu o
Copom de cumprir a sua missão. O
melhor é que, talvez errando, tenha
acertado!
Mesmo com reservas sobre seu
comportamento, ninguém podia
negar o esforço "científico" (mesmo quando equivocado) do Banco
Central. Agora as dúvidas são de
outra natureza: a única explicação
plausível para a decisão do Copom
foi de ordem político-oportunista.
Para evitar confusão, é preciso
dizer que a crítica não se dirige à
autonomia operacional do Banco
Central. Foi ela que lhe deu a credibilidade agora seriamente abalada.
Para tentar recuperá-la, provavelmente vai aumentar a Selic na próxima reunião em 0.75.
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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