São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2007 |
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A experiência de Tihar
JOSÉ REINALDO GUIMARÃES CARNEIRO e ROBERTO PORTO
NUNCA O sistema penitenciário brasileiro esteve em tamanha evidência. Desde que se deu conta do crescimento das facções dentro dos muros dos presídios e do fato de que elas estão matando organizadamente fora deles, não se via tamanho empenho no debate acerca das idéias e sugestões para a solução do impasse. O Brasil é, hoje, muito pior e mais violento do que todos gostaríamos de admitir que fosse. Não há dúvida sobre a constatação. Basta relembrar, só recentemente, a morte bárbara de um menor no Rio de Janeiro e o consumo aberto e impune de cocaína exibido em rede nacional de televisão como comemoração de final de ano em uma favela no Estado de São Paulo. Os fatos guardam pertinência com o direito penal e com o sistema de cumprimento de penas. É algo a ser enfrentado agora. O direito de punir, que veio paulatinamente sendo transformado em sua concepção colonial de vingança do soberano em técnica moderna de ressocialização, agora, no Brasil, precisa de pronta e eficiente solução de recuperação que permita abrandar a violência que tomou conta dos presídios e das ruas. Foram erros seguidos: não foi possível cuidar da separação adequada dos criminosos; não se deu conta de que a reunião de delinqüentes perigosos com quem tinha crimes mais singelos levaria a uma distorção de grandes proporções nem se percebeu, no tempo certo, que a internação passou a ser indiscriminada e sem critérios. Agora, para resolver a crise, de onde retirar recursos se eles fazem falta em outros setores prioritários, como saúde e educação, em um país de população sabidamente pobre e carente? Uma experiência indiana -atual e surpreendente- parece sugerir um caminho: em Tihar, nos arredores de Nova Déli, em um dos maiores estabelecimentos prisionais do mundo contemporâneo, deu-se fato singular. Ali, em presídio de segurança máxima, conhecido como um inferno sem solução, onde estão internados mais de 13 mil detentos, a criatividade de uma diretora, agindo sem recursos nem investimentos públicos do governo indiano, viabilizou a utilização de técnica milenar, consistente na exploração de meditação e estado contemplativo por parte dos reeducandos, com a finalidade terapêutica de livrá-los de seus sofrimentos pessoais, proporcionando-lhes melhor qualidade de vida. A técnica de origem budista aplicada aos presos indianos levou ao quase aniquilamento da reincidência, da corrupção e do uso de drogas nos presídios onde está funcionando. Por causa do sucesso imediato, foi estendida aos funcionários do estabelecimento e proporcionou a proliferação de cursos periódicos em uma área especialmente criada para reflexão. A transformação modelar da prisão de Tihar nos últimos treze anos da experiência acabou fazendo-a referência para outros presídios indianos. Mais do que isso, atraiu a atenção de estudiosos e pesquisadores do mundo todo sobre o fenômeno do controle das angústias das populações carcerárias. Mereceu a atenção da psicanálise e da psiquiatria, já que a reflexão não é técnica convencional de pacificação de presidiários. Na verdade, a experiência abriu caminho inédito com a adoção de solução prática e econômica para contenção dos problemas carcerários, transformando a vida na prisão em rotina mais suportável e menos violenta. Pode parecer estranho para os padrões ocidentais, já que a realidade brasileira é bem diversa. Porém, se considerarmos que no Brasil a falta de recursos públicos e a urgência para o encaminhamento da crise são, na essência, os mesmos problemas que em Tihar demandaram pronta solução, será justo reconhecer que a experiência do presídio indiano é uma demonstração forte de que o pragmatismo também é fator determinante no encaminhamento de soluções. A experiência teve o mérito de se basear na criatividade no trato com questões polêmicas e no enfrentamento da realidade que permitiu, com o auxílio de métodos não convencionais de cumprimento de pena, o abrandamento da crise. Trabalhou a acumulação das tensões que dominam os ambientes carcerários, trazendo demonstração de que a vocação e a criatividade das autoridades são fatores determinantes para tornar mais justa e equilibrada a vida das populações carcerárias. JOSÉ REINALDO GUIMARÃES CARNEIRO é mestre em direito processual penal pela PUC-SP. ROBERTO PORTO é mestre em direito político e econômico pela Universidade Mackenzie de São Paulo e autor do livro "Crime Organizado e Sistema Prisional". Ambos são promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, em São Paulo. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Gustavo Fruet, Bruno Araújo e Raul Henry: A lição da Colômbia Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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