São Paulo, domingo, 07 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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A Igreja Católica ante o aquecimento global

PEDRO LUIZ STRINGHINI e ROBERTO MALVEZZI

Buscar novas fontes de energia, por exemplo, é um desafio da humanidade, mas se reveste de exigência particular para os cristãos

JESUS ENSINOU seus discípulos a ler "os sinais dos tempos". Não é o olhar de um cientista sobre a realidade, embora ele também seja essencial. Nesse caso, "sinais dos tempos" é uma categoria teológica que nos ajuda a interpretar como Deus se manifesta diante dos acontecimentos da história. Hoje, literalmente, temos que olhar os sinais dos tempos.
Entre tantas mudanças que acontecem na humanidade e no planeta que habitamos, uma parece mais desafiadora que todas as outras: o aquecimento global. Provocado pela emissão de gases na atmosfera, resultado da ação humana sobre a natureza, a própria Terra parece não dar conta de equilibrar os gases que mantém sua temperatura em níveis apropriados para a existência da vida.
Segundo grande parte dos cientistas, a Terra se comporta como um ser vivo e está num processo de aquecimento, com consequências gravíssimas e irreversíveis para a humanidade e toda a comunidade de vida que a habita. A previsão de que a Terra pode aquecer entre 2º e 6º assusta a comunidade científica e todos aqueles que têm acesso a essas informações.
Muda o clima, o regime das chuvas, surgem fenômenos extremos, dificultando a produção de alimentos, o acesso à água potável, forçando migrações, aumentando as doenças, pondo em risco a vida de bilhões de pessoas em todo o planeta.
Por ter grande parte de seu território em zona tropical, o Brasil sofrerá mais que países distantes da linha do Equador. Fala-se em desertificação no semiárido e savanização da Amazônia. Hoje já vemos fenômenos extremos, como furacões em Santa Catarina, seca no Rio Grande do Sul e Amazônia, enchentes diluvianas no território nordestino.
Esses fenômenos trazem gigantescos prejuízos econômicos e, sobretudo, sofrimento inominável para suas vítimas, inclusive com mortes. Fala-se em 300 milhões de afetados por ano no mundo, com 300 mil mortes.
Como sempre, as piores consequências recaem sobre os mais pobres.
Os cientistas são cautelosos, preferem aguardar longos períodos históricos para emitir uma opinião conclusiva sobre as causas desses fenômenos e se sua origem é realmente o aquecimento global.
Entretanto, tantos fatos inéditos acontecendo ao mesmo tempo nos dizem que a natureza está em mudança.
Quais serão exatamente as consequências é impossível antecipar. O que podemos antecipar é a mudança no comportamento humano para evitar a pior das tragédias humanas.
O Brasil é um dos grandes contribuintes para o aquecimento global.
Não são nossos carros ou a queima de combustíveis fósseis que geram essa enorme contribuição. Cerca de 75% de nossas emissões resultam da queima e derrubada de florestas. Por essa prática nefasta, o Brasil se torna o quarto maior poluidor mundial.
Enquanto pesquisas indicam que 93% dos brasileiros são contra a queima e a derrubada de nossas florestas, o processo destrutivo continua, não só ilegalmente, mas com mudanças na legislação ambiental para facilitar o processo predador.
Causam inquietação as medidas provisórias 458 e 452, além da proposta de mudança no Código Florestal. É de absoluta responsabilidade das autoridades evitar que essa tragédia seja legalmente ampliada. Preservar nossas florestas em pé, com meta política de desmatamento zero, é um bem inestimável para o povo brasileiro e uma generosa e viável contribuição para toda a humanidade.
Trata-se de uma responsabilidade global, não apenas brasileira. Buscar novas fontes de energia, evitar a queima e derrubada das florestas que restam, modificar hábitos cotidianos para poupar água e energia, implementar transporte coletivo seguro e cultivar valores de consumo responsável são desafios de toda a humanidade, mas que se revestem de uma exigência particular para os cristãos. Porém, precisamos de todas as religiões, todas as ciências, todas as pessoas de boa vontade.
Por isso, entre os dias 8 a 10 de junho, a CNBB, ao lado de outros parceiros, inclusive internacionais, como a Misereor, realiza em Brasília um simpósio para debater o tema e contribuir no processo de conscientização e práticas que inspiram a luta mundial contra o aquecimento global. Os cristãos o fazem por sua crença no Deus da vida, que entregou a criação para que dela cuidássemos, como jardineiros do jardim que é o planeta Terra.


D. PEDRO LUIZ STRINGHINI é bispo auxiliar da arquidiocese de São Paulo e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Paz, da Justiça e da Caridade -CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
ROBERTO MALVEZZI, formado em filosofia e teologia, é membro da equipe de Terra, Água e Meio Ambiente do Conselho Episcopal Latinoamericano (Celam).


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