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Em nome da pizza
BORIS FAUSTO
Tenho um irmão que foi viver nos
Estados Unidos há quase 40 anos. Cada vez que vem a São Paulo, reclama
contra a americanização grotesca da
cidade, visível nos anúncios, na linguagem e em muitas coisas mais.
Quando tenta reencontrar a paisagem
de sua memória, não consegue localizar o pasteleiro chinês, na entrada de
um boteco da praça Antônio Prado,
ou o grande bar e café cujo forte era o
caldo de cana, na esquina da rua Barão de Itapetininga com a praça da
República.
Diante das muitas lacunas, tento fazer sociologia elementar, convencendo meu irmão da inevitabilidade do
processo de concentração do comércio e dos serviços destinados a um público amplo. Trato também de demonstrar-lhe o lado positivo desse
processo, pois a economia de escala
resulta em preços mais baixos e em
uma oferta diversificada de bens. Mas
não consigo convencê-lo com esse tipo de argumento, mesmo porque seu
problema, de natureza gustativa e afetiva, não envolve cálculos racionais.
Por fim, descobri um caminho,
quando tive a idéia de levá-lo a uma
feira livre. Ele se viu diante da oferta
rumorosa de pastéis e de caldo de cana. Aspirou e deglutiu o ambiente, encantando-se tanto com o processo de
produção quanto com o produto.
Acompanhou o preparo do pastel,
mergulhado em óleo, ganhando consistência pelas mãos hábeis de um
pasteleiro nissei; deixou-se hipnotizar
pelo guincho e o lento movimento das
rodas de uma engenhoca que triturava
os feixes de cana, de onde brotava o
verde líquido.
Na última semana, ao passar diante
de um McDonald's, pensei em meu irmão, ou melhor, irmanei-me com ele,
com o perdão do pleonasmo. Dei de
frente com um mastro enfarpelado
com as cores da bandeira italiana onde se lia a frase: "Mangia che ti fa bene". Tudo com o objetivo de chamar
a atenção para cartazes anunciando a
venda do "McBello" ou do "McBuono". Que diabo seria isso? Pois trata-se de hambúrgueres que se pretendem italianizados, graças à presença
de um suposto molho peninsular.
É compreensível a atração que os
hambúrgueres, o catchup, as batatas
fritas padronizadas, o ambiente pasteurizado, onde se movem meninas de
uniforme, exercem sobre o grande
público e, sobretudo, sobre as crianças.
Mas a minoria não pode renunciar
ao direito de navegar contra a corrente. De minha parte, pensei em protestar contra essa caricatura de comida
italiana. Desisti por duas razões: de
um lado, o protesto poderia ser tomado como irritação quixotesca de um
velho paulista; de outro, em nome do
pluralismo, alguém poderia argumentar que as grandes redes, tão sem graça, acabaram fazendo parte da fisionomia alimentar de São Paulo.
Fiz uma outra escolha e até agradeci,
por contraste, às redes de alimentação. A cascata de mussarela da pizza
margherita, derramando-se à minha
frente, nunca me pareceu tão bela. Se
soubesse rezar, teria cultuado esse
produto brilhante da cozinha ítalo-paulistana, que, apesar dos pesares,
continua bem viva.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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