São Paulo, quarta-feira, 07 de julho de 2010

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ANTONIO DELFIM NETTO

Keynes e keynesianos

Os problemas fiscais dos EUA e da Eurolândia só podem ser resolvidos com a volta do crescimento. O fundamental é que este não se faça aprofundando-os ainda mais. Quando se recomenda que as medidas de estímulo temporárias que foram decisivas para paralisar o desastre sejam transformadas em permanentes, estamos diante de uma não solução.
Para entender isso consideremos que no curto prazo a oferta global física de bens e serviços produzidos no país é praticamente constante. O seu uso depende da demanda global física. Esta, por sua vez, é constituída pela soma da demanda pública e da demanda privada interna e externa.
Quando se reduz, por qualquer motivo, a demanda privada (crise de crédito, desastres naturais, ataque de pessimismo), a manutenção do nível de atividade depende de um aumento equivalente da demanda pública.
Enquanto a demanda privada não se recupera, a demanda pública deve continuar. Isto não se faz sem graves prejuízos para o equilíbrio fiscal, para o nível de inovação e a produtividade do sistema produtivo, porque a demanda estimulada pelo gasto público em transferência não produz incentivos adequados para o aumento da produtividade do trabalho.
O keynesianismo bastardo incorporado na síntese neoclássica dos livros-texto sugere que a retirada dos "estímulos" governamentais reduzirá necessariamente a demanda privada. Agravar-se-ia, portanto, a redução do nível do PIB e do emprego. Logo, não há solução para o problema. Mas será assim mesmo?
A resposta se resume na "expectativa" que se formará no setor privado como resposta ao programa de restabelecimento do equilíbrio fiscal (condição necessária para o crescimento robusto no longo prazo).
Keynes e Pigou (seu amigo e posterior vítima) intuíram em 1931 que, se o ajuste fosse feito de maneira segura e crível, o aumento da demanda privada (despertada pelas oportunidades vistas pelo "espírito animal" dos investidores) poderia suprir a deficiência da demanda pública.
Teríamos a volta do crescimento juntamente com a solução do problema fiscal, o que é hoje empiricamente reconhecido. A reforma crível inclui: 1) um ajuste pelo lado das despesas (nada de aumento de impostos); 2) incentivos ao uso do trabalho; 3) medidas de flexibilização dos mercados; 4) estímulo à concorrência e 5) uma desvalorização cambial.
A Alemanha acumula credibilidade e essas condições. Com a desvalorização do euro, seu programa levará, provavelmente, a um crescimento mais robusto. Será a melhor contribuição que pode dar à Eurolândia.

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
contatodelfimnetto@uol.com.br



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