São Paulo, segunda-feira, 07 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre a distribuição de recursos

MARCO MACIEL


Redistribuir de forma justa os recursos gerados pela sociedade continua a ser o maior desafio da política


REDISTRIBUIR de forma justa os recursos gerados pela sociedade continua a ser o maior desafio da política. A suposição de que o poder do Estado é capaz de superá-lo tem sido, até hoje, a maior utopia de todas as ideologias.
Se a racionalidade fosse o fundamento de todas as decisões políticas, teríamos atingido a condição do Estado ideal imaginado por Platão em sua "República". A despeito de todos os avanços da ciência, nenhum Estado conseguiu, por exemplo, assegurar o pleno emprego, por maior que seja o empenho dos sistemas políticos.
Embora política e economia sejam campos cada vez mais interdependentes, a dificuldade está em lidar com duas esferas de atuação distintas. Medidas irracionais na economia levam fatalmente ao fracasso. Na política, lamentavelmente, podem levar ao sucesso, embora de curto prazo. O empecilho de conseguir resultados econômicos com decisões políticas reside na circunstância de que o Estado é capaz de redistribuir, mas não de gerar riquezas, conquanto seja pródigo em aumentar despesas.
As políticas que visam a abrandar as diferenças sociais são o recurso imemorial utilizado na busca de conciliarmos os ideais de liberdade com as aspirações de igualdade. O inconveniente é que o uso de medidas compensatórias termina sendo, porém, invariavelmente discriminatório.
A discriminação consiste em dar aos benefícios concedidos pelo Estado o caráter de condescendência patrimonialista do poder, e não o desfrute de uma prerrogativa a que todo cidadão deveria ter direito quando as carências de que foi vítima não lhe garantiram igualdade de oportunidades. O direito ao trabalho dignamente remunerado continua sendo, portanto, a forma mais democrática de garantir a sobrevivência de todos, sem discriminação.
Nenhuma política social tem sido mais eficiente, mais justa e de maior repercussão nas sociedades contemporâneas do que as previdenciárias. Elas se destinam a garantir não só a fruição de uma sobrevivência digna ao fim da vida útil e produtiva dos cidadãos mas também a superação das incertezas decorrentes das doenças que exigem cuidado maior e que são mais onerosos.
Os sistemas previdenciários, dotados de maior grau de eficácia, tornaram-se o recurso político mais racional e o benefício econômico mais justo no ideal de conseguir disseminar, de forma um tanto quanto igualitária, os benefícios coletivos gerados pela sociedade e redistribuídos pelo Estado. A mudança do paradigma demográfico do mundo contemporâneo, no entanto, vem pondo em risco os modelos previdenciários existentes na maior parte do mundo.
Outra inovação social tão importante quanto a Previdência foi a instituição do seguro-desemprego como recurso indispensável para aumentar a garantia de sobrevivência condigna quando condições adversas do mercado o tornam recessivo, setorial ou temporalmente.
Dotar o país de um sistema previdenciário economicamente equilibrado e de um mecanismo de concessão de seguro-desemprego politicamente eficiente e imune a fórmulas e violações de toda ordem é nosso maior desafio. E a primeira medida para atingir esse objetivo consiste em dar transparência a essas instituições de tanta e tão significativa relevância para a paz e a estabilidade sociais.
Para tanto, é indispensável separar o benefício previdenciário, baseado em contribuições solidárias de empregados, empregadores e sociedade, do que é política compensatória não contributiva e destinada a atender aos excluídos do mercado de trabalho enquanto não atingirmos níveis de emprego que possam dispensá-la.
Os superávits do nosso sistema previdenciário, contudo, serviram a todas as necessidades de inúmeros governos. Só não se destinaram a formar as reservas técnicas necessárias para compensar os desequilíbrios sazonais decorrentes de nossa instabilidade econômica e de nossas turbulências políticas.
Faltam-nos, enfim, visão de Estado e concepção estratégica na condução de nossas políticas sociais, abastecidas, na maioria das vezes, pelos recursos fáceis da demagogia, do patrimonialismo.
As sucessivas Constituições sob as quais temos vivido nos últimos cem anos têm sido eficientes em distribuir benesses e promessas e atender demandas de alguns contra as de todos, raiz de todas as modalidades do arraigado corporativismo brasileiro. Só não têm servido para alocar os recursos gerados pela sociedade, conforme prescrição de Ferdinand Lassale: a cada um segundo suas necessidades e de acordo com suas possibilidades.

MARCO MACIEL , 66, é senador pelo PFL-PE e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República (95-98 e 99-2002), ministro da Educação (governo Sarney) e governador de Pernambuco (1978-85).


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