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O Hino Nacional
BORIS FAUSTO
Na data da Independência, é oportuno lembrar um dos símbolos mais expressivos de nossos sentimentos: o
Hino Nacional. Refiro-me a sentimentos e não à identidade porque o hino
desperta sensações diversas nos diferentes grupos sociais, variando também em função da época. Sob o último aspecto, tudo indica, como lembrou o ministro Weffort (pág. 1-3,
Opinião, 23/8), que os períodos democráticos tendem a gerar maior
identificação, em contraste com os
períodos autoritários de nossa história.
Na esteira de uma entrevista anterior do ministro (pág. 1-4, Brasil,
21/8), indago se o hino seria ou não
intocável. Não falo da apresentação
vocal, que ele propõe seja modificada,
liberando-se, na execução, a tonalidade, bem como o arranjo. Vou além,
falando da letra.
Um pouco da história do hino nacional nos mostra que letra e música
não nasceram juntas. O hino, que data
da Independência, só ganhou letra em
1831, recebendo o título de "Hino de
7 de Abril", ao se celebrar a abdicação de dom Pedro 1º. A letra mudou
por ocasião da coroação de d. Pedro
2º e uma vez mais neste século, quando, em 1922, os versos de Osório Duque Estrada foram oficializados. Aliás,
após a Proclamação da República, ficou patente a popularidade do hino,
ao se realizar um concurso para sua
substituição. Por pressão popular,
com aquiescência do marechal Deodoro, a composição vencedora não
conseguiu impor-se ao hino imperial,
convertendo-se no Hino da Proclamação da República.
Os precedentes históricos mostram
pois que a letra do hino já foi alterada.
Mais ainda, aparentemente, haveria
boas razões para mudá-la de novo. O
texto perdeu muito de sua força imagética e contém palavras cujo sentido
mesmo gente de formação universitária ignora. Frases como "teus risonhos lindos campos tem mais flores"
podem soar como ironia, nestes tempos de ocupação predatória, invasões
etc. etc. Só um grupo seleto de cultores da língua, ou entusiastas das palavras cruzadas, sabe o que significam
termos ou expressões como "lábaro", "clava", "terra mais garrida",
"florão da América". Mas o que soa
gritante, a ponto de produzir embaraços quando cantado, é o verso inicial
da segunda parte, o célebre "deitado
eternamente em berço esplêndido".
Ao lado desses argumentos críticos,
desenham-se os que justificam a intocabilidade da letra. Em primeiro lugar, lembremos que ela já entrou em
nossos hábitos, ainda que só uns poucos consigam lembrá-la por inteiro.
Depois, a frase "deitado eternamente
em berço esplêndido, ao som do mar
e à luz do céu profundo" ganha sentido no mundo do sonho, como contraponto aos tempos atuais em que temos os olhos fixos no crescimento
econômico, essa tábua de salvação
medida no presente e projetada para o
futuro.
A miragem do nirvana sintetiza-se
em uma de nossas figuras emblemáticas de ficção -Macunaíma, o herói
que fez da preguiça virtude. Ele cantaria a letra do hino com entusiasmo,
enfatizando a segunda parte. Uma razão a mais para concluir que, mesmo
nesta época de flexibilizações, a letra
do Hino Nacional é intocável.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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