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DEMÉTRIO MAGNOLI
O amigo americano
"Se eu fosse americano votaria
em Kerry, mas, como sou brasileiro, prefiro a vitória de Bush". O parecer, externado há pouco por um especialista em relações internacionais,
reflete um ponto de vista compartilhado por figuras influentes no Itamaraty
e no Palácio do Planalto.
A reeleição de George Bush ajusta-se
melhor ao interesse nacional que uma
vitória de John Kerry? O argumento
clássico é que os republicanos tendem
menos ao protecionismo que os democratas. Historicamente, a noção é
verdadeira. Desde o New Deal de
Franklin Roosevelt, nos anos 30, o
Partido Democrata estabeleceu uma
aliança com os sindicatos. Mais recentemente, os democratas incorporaram algumas posições ambientalistas.
Esses compromissos políticos embasam posturas protecionistas que contrastam com o tradicional livre-cambismo dos republicanos. Entretanto o
panorama tornou-se mais matizado
na última década, pois Bill Clinton impulsionou a Alca, contrariando a opinião sindical, e Bush distribuiu novos
subsídios a indústrias siderúrgicas e a
agricultores, contrariando a opinião
dos círculos financeiros.
O uso do velho argumento revela
uma resistência intelectual a encarar
os novos problemas postos pela globalização. Kerry e Bush distinguem-se
nitidamente no campo da política fiscal. O democrata promete reequilibrar
o Orçamento americano. O republicano prega mais cortes de impostos. A
sua reeleição abriria caminho para a
explosão do déficit público e, logo à
frente, uma brusca elevação dos juros
destinada a atrair capitais internacionais. Nesse cenário, o Brasil sofreria os
efeitos devastadores de mais um episódio global de "fuga de capitais" das
chamadas economias emergentes.
Mas a preferência por Bush deriva,
especialmente, do cálculo estratégico.
Kerry alinha-se com a ala democrata
liderada por Clinton, que mantém estreitas relações políticas e pessoais
com Fernando Henrique Cardoso. De
outro lado, Bush e Lula estabeleceram
uma empatia pessoal que é consistente com a estreita cooperação entre
Washington e Brasília nos temas de
segurança hemisférica.
O Brasil adotou a Lei do Abate, assumindo o enfoque militar da "guerra ao
narcotráfico", e fornece ao governo
colombiano informações sensíveis na
campanha contra a guerrilha. As diplomacias brasileira e americana
atuam em afinado concerto nas crises
políticas da Venezuela e da Bolívia. A
Petrobras fingiu-se de surda diante da
proposta de Hugo Chávez para uma
exploração binacional dos recursos
petrolíferos. O governo brasileiro recusa-se a respaldar a dura linha de negociação com o FMI conduzida pela
Argentina. Sobretudo Brasília aceitou
a missão pouco honrosa de estabilizar
o regime instalado pelos Estados Unidos no Haiti.
"Gostaria de expressar meu agradecimento ao governo brasileiro pelo
papel de liderança dentro das Nações
Unidas ao colocar à disposição tropas
no Haiti. É uma missão desafiadora, e
o Brasil esteve a altura do desafio." Essas palavras, do secretário de Estado
americano Colin Powell, em visita ao
Brasil, celebraram a nova "relação especial" entre os governos Bush e Lula.
Kerry criticou a ação de mudança de
regime do governo americano no Haiti, ressaltando que teria enviado tropas para defender o presidente constitucional do país. Powell quase prometeu apoio americano à aspiração brasileira de uma cadeira permanente no
Conselho de Segurança da ONU. Esse
é o presente que Lula espera receber
de um Bush reeleito.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
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