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TENDÊNCIAS/DEBATES
A candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência representa uma plataforma conservadora?
NÃO
Decência, competência e modernidade
BOLÍVAR LAMOUNIER
COM O fim da Guerra Fria, com a
globalização e a complexidade
do mundo atual, as antigas
ideologias européias perderam grande parte de sua importância. Como
ferramentas de análise política, as expressões "conservador X progressista" e "direita X esquerda" se tornaram
quase irrelevantes, bastando lembrar,
a propósito, o desmoronamento da
União Soviética e a feroz conversão
da China ao capitalismo.
No Brasil, da mesma forma, os referidos contrastes têm pouca serventia,
sobretudo em vista da consolidação
do crescimento econômico e do combate à pobreza como compromissos
imperativos para todas as forças políticas. O problema atual do Brasil é retomar o crescimento em bases sustentáveis, deixando de compartilhar
com o Haiti a rabeira das taxas de
crescimento na América Latina.
Para deslanchar de novo, é imperativo ressuscitar a agenda de reformas,
robustecer o ajuste fiscal de longo
prazo, pôr os juros num patamar civilizado, romper os gargalos de infra-estrutura e implementar mudanças
enérgicas no sistema educacional.
Por essa ótica, a questão proposta
pela Folha ganha sentido e densidade.
É conservador Geraldo Alckmin, que
enfrentou com sucesso esses desafios
em São Paulo? Ou o atual governo,
que não soube enfrentá-los e perdeu
as oportunidades criadas pelo excepcional ambiente econômico externo
dos últimos três anos?
Para bem compreender o conservadorismo econômico de Lula, é mister
colocá-lo em perspectiva histórica.
No Brasil, durante quase toda a segunda metade do século 20, a estabilidade da moeda era vista como uma
política conservadora. Dos anos 50 ao
começo dos 90, altos índices de inflação não eram só tolerados, eram tacitamente louvados como sinal de audácia e argúcia na busca de um modelo "próprio" de crescimento.
Lula e o PT despontaram no cenário político nacional como afincados
aprendizes desse feitiço. Em 1994, deram tenaz combate ao Plano Real,
marco zero da atual estabilidade de
preços. Não por acaso, Lula foi então
despachado no primeiro turno.
Eleito em 2002, assustado com o
desastre que provavelmente causaria
se não revisse suas opiniões econômicas, Lula embicou na direção oposta.
Seu governo colocou os juros na estratosfera e promoveu um arrocho
monetário muito mais forte do que o
necessário, como provam a inflação
abaixo da meta e o pífio crescimento
deste ano, e continuou aumentando a
sufocante carga tributária, apesar de
promessas solenes em contrário.
Há outro ponto. A sociologia política ensina que regiões economicamente dinâmicas tendem a votar em
candidatos progressistas. Vale a recíproca: políticos conservadores ou
sem perfil definido sobrevivem mais
facilmente em regiões pobres, rigidamente estratificadas e vulneráveis ao
clientelismo. Em "Bases do Autoritarismo Brasileiro", Simon Schwartzman faz original aplicação dessa hipótese ao caso brasileiro, contrastando
o Nordeste pobre ao Sudeste, região
economicamente mais avançada.
A geografia do voto no primeiro
turno valida em certa medida essa hipótese. No Nordeste, Lula foi muito
bem votado, obviamente não só por
razões sociais ou culturais, mas também pelo uso desabrido da máquina
de governo. Em Minas, cultura de
transição, seu desempenho foi menos
notável. Em São Paulo e no Sudeste,
em geral, e no Centro-Oeste, base da
agricultura de ponta, só deu Alckmin.
Essa breve recapitulação do itinerário político de Lula e da distribuição
geográfica dos votos não deixa dúvida
quanto ao sentido profundo da presente conjuntura eleitoral. A trama
do dossiê urdida por membros do PT
contra Alckmin e Serra ajudou, mas
não explica o enorme movimento de
opinião que levou Alckmin ao segundo turno. O que o explica e impulsiona é a ânsia do país por uma plataforma modernizadora e progressista,
centrada no crescimento econômico,
num combate à pobreza com criação
de empregos e geração de renda e na
reforma do sistema educacional.
BOLÍVAR LAMOUNIER, 63, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (EUA), é sócio-diretor da Augurium Consultoria e autor do livro "Da Independência a Lula: Dois Séculos de Política Brasileira"
(2005), entre outras obras.
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