São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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A força da agricultura brasileira

REINHOLD STEPHANES


Debater a necessidade de reduzir o protecionismo de países desenvolvidos é mais útil ao desenvolvimento sustentável do planeta


PRECONCEITO e desinformação costumam andar lado a lado, um sustentando o outro e justificando a origem de ambos. É o que se depreende quando analisamos recentes artigos publicados na imprensa européia sobre a expansão do cultivo da soja e de outras culturas no Brasil.
Muitos insistem em ignorar que o crescimento se deve, em grande parte, à eficiência de pesquisadores e de produtores em encontrar plantas mais produtivas. Sem falar no sucesso crescente de sistemas de industrialização e comercialização, apesar da ainda deficitária infra-estrutura logística, em especial no Centro-Oeste brasileiro.
No entanto, há muita confusão entre a área ocupada pela floresta amazônica e a chamada Amazônia Legal, esta criada para fins de planejamento econômico a pedido dos Estados, englobando, além do território da floresta, biomas diversos em Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão.
A parte brasileira da floresta amazônica representa 36% do território, e o bioma amazônico abrange 50% do país. Para ter uma dimensão do bioma amazônico, vale dizer que poderia envolver 20 países europeus.
Já a Amazônia Legal ocupa 60% do Brasil e, por ser ainda mais abrangente, contém parte do bioma cerrado, que se assemelha, em geral, à savana, com gramíneas, arbustos e árvores esparsas.
Na Amazônia Legal, que não significa apenas a floresta amazônica, mas sim vários outros biomas e nove Estados, vivem 23 milhões de brasileiros -cerca de um terço da população francesa. Lá estão, além de emprego e renda, os bons índices de qualidade de vida medidos pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), da ONU, que são superiores à média nacional.
Da formação original, estimada em 600 milhões de hectares, o Brasil mantém preservados 440 milhões de hectares, ou seja, 60% da área primitiva. Essa área corresponde a 28% do total de florestas do planeta, atualmente. Enquanto isso, a maioria dos países devastou suas florestas. Na Europa, por exemplo, o índice de floresta original é inferior a 0,5%.
No Brasil, as áreas com florestas protegidas são as indígenas, com 108 milhões de hectares, e as de conservação federais e estaduais, com 111,6 milhões de hectares. São mais de 219 milhões de hectares, ou seja, 25,9% do território. Além disso, leis rígidas obrigam a criação de áreas de preservação permanente e de reserva legal.
Afirmações como "a soja vai sufocar a Amazônia" desconsideram que os 70 mil km2 -ou seja, 7 milhões de hectares- que são utilizados para o plantio na região representam menos de meio ponto percentual (0,26%) do bioma amazônico. Tampouco se leva em conta o esforço do governo Lula para a redução do desmatamento, em declínio nos últimos anos.
Além disso, registramos ações positivas da iniciativa privada e medidas como a moratória da soja, em que o cultivo responsável beneficia as agroindústrias que não compram soja proveniente de floresta desmatada desde 2006.
Seria mais útil ao desenvolvimento sustentável do planeta o debate sobre a necessidade de reduzir o protecionismo de países desenvolvidos sobre os produtos que competem com os de países em desenvolvimento, como o Brasil. Essa realidade faz com que tenhamos dificuldades em diversificar e agregar valor ao que produzimos.
Para fazermos chegar nossos produtos, a maior parte de commodities, ao mercado exterior, nos submetemos a rígidas restrições tributárias e a tarifas altíssimas, como 310% para carne suína (Japão); 167% para o açúcar (EUA); 177% para carne bovina (UE); 95% para frango congelado em partes (UE). São tarifas que proíbem o Brasil de plantar mais milho, por exemplo, e de beneficiar carnes para obter remuneração adequada.
Ao eleger a soja como inimiga número um da floresta amazônica, deixa-se esquecido que o Brasil tem vocação para o desenvolvimento sustentável, possuindo uma matriz energética em que 45% dos recursos provêm de fontes renováveis. Isso nos coloca entre os poucos países com oferta de energia limpa e renovável, com capacidade de se tornar um grande fornecedor nessa área.
No entanto, o Brasil produz, primeiramente, para alimentar 190 milhões de brasileiros, e da soja se extrai a proteína mais barata do mundo, que, além de suprir as necessidades alimentares da população, auxilia na dieta de bovinos, suínos e ovinos dos rebanhos europeus e asiáticos.
Esses fatos incontestáveis, mas pouco abordados, mostram que está na hora de os conceitos sobre o Brasil serem revistos e de o respeito ao povo brasileiro ser mais exercitado.

REINHOLD STEPHANES , 67, economista, deputado federal licenciado (PMDB-PR), é o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Foi ministro do Trabalho e Previdência Social (1992-1995) e da Previdência e Assistência Social (1995-1998).

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