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TENDÊNCIAS/DEBATES
Depois da CPMF, o queremismo
JORGE BORNHAUSEN
A aprovação da prorrogação da CPMF será a partida para o país começar a descer o plano inclinado do chamado "golpe institucional"
ERRO DE script -ou, quem sabe,
uma precipitação no cronograma de eventos do esquema lulista- tornou público os planos de promover um plebiscito com as eleições
municipais de 2008 para permitir um
terceiro mandato ao presidente da
República. E com a prorrogação -de
quatro para cinco anos- do atual
mandato de Lula.
Mas ninguém dirá que o autor da
proposta, o deputado Devanir Ribeiro, sindicalista da confiança pessoal
do presidente, é um livre atirador. Pelo contrário, trata-se de uma voz autorizada e prestigiada.
Não era para ser assim. Como tudo
no governo Lula -um jogo político
em que pouco importam os meios, tudo é feito apenas para manter e ampliar o poder-, a questão da CPMF
seria um bom pretexto.
Embora seja uma ação legislativa
absurda (emendar a Constituição para criar um tributo provisório que se
extingue no dia 31/12/2007), a tramitação da CPMF foi escolhida como
biombo para aprovar a segunda reeleição do presidente da República.
Não se esperava pela proclamação
judicial da vigência plena do princípio
da fidelidade partidária, que se transformou na última instância para burlar a lei, explorando fraquezas e motivações inconfessáveis de alguns vira-casacas. Ao fazê-los trocar de partido
e esvaziar as bancadas da oposição,
montou-se o rolo compressor (que
eles chamam eufemisticamente de
"base governista") para aprovar a segunda reeleição de Lula.
Num país em que já são cobrados
64 tributos diferentes e certamente
ocorre a maior desproporção entre o
peso dos impostos sobre a população
e a retribuição desse dinheiro em serviços e fortalecimento do Estado, a
CPMF é indefensável.
Seja do ponto de vista da técnica
tributária, seja pela incidência perversa sobre os mais pobres, seja pelo
desestímulo ao desenvolvimento -a
incidência de 0,38% em todas as operações financeiras de um único evento desorganiza qualquer sistema de
produção-, a CPMF não resiste a nenhuma lógica. Portanto -e por tudo o
que esse tributo tem de inconstitucional, como se justificam com cinismo os negociadores governistas-, o
disfarce para a mobilização não deixa
de ser bem engendrado.
Sem limites éticos, o governo Lula
atinge os seus fins: a remoção do obstáculo representado pela capacidade
da oposição de desfrutar de seu peso
específico -obtido pelo voto, em eleições diretas- nas decisões do Congresso, ao menos quando se tratar de
maiorias qualificadas.
Daí a votação da prorrogação da
CPMF, o imposto do cheque, ter se
transformado numa batalha decisiva
para a democracia brasileira. Sua
aprovação será a partida para o país
começar a descer o plano inclinado do
chamado "golpe institucional", quando os avanços discricionários cumprem falsos rituais democráticos.
Sem nenhum obstáculo, a implantação de um governo absolutista satisfaz a preocupação natural do grande grupo de incompetentes e desqualificados que, graças ao uso da "estrelinha" partidária, e só por isso, ocupam as dezenas de milhares de cargos
públicos de confiança. E não terão o
que fazer se perdê-los.
A eles se aliarão os inescrupulosos
que, por meio de ONGs de fachada, se
alimentam dos cofres governamentais. Serão todos capitães da brigada
de choque do novo queremismo.
("Queremismo" deriva de "Queremos
Getúlio!", que por vez sintetizava a
pregação de "Constituinte com Getúlio", que equivalia a "democracia com
um ditador".) Trata-se de uma variante golpista brasileira de 1945.
Getúlio já havia se rendido à exigência dos oficiais da FEB que, voltando vitoriosos do front da Segunda
Guerra Mundial, não aceitavam que o
Brasil vivesse a opressão política fascista que acabavam de derrotar na
Europa. Desesperados, burocratas do
Estado Novo tentaram uma reação.
Não desejavam perder seus cargos e
se mobilizaram para conciliar o inconciliável, que era associar o Estado
democrático de Direito com a ditadura que estava caindo.
O queremismo não pegou, mas o vírus da doença tropical se mantém hibernado. Ou pode-se interpretar de
outra maneira a implantação surpreendente da nova TV estatal, mobilizando recursos e pessoas que dificilmente se disporiam a trocar carreiras
e tempo de serviço, com excelentes
salários, por uma aventura de fim de
governo? Esse tipo de operação tem
nome e modelo conhecidos na política brasileira. É queremismo.
JORGE BORNHAUSEN, 70, advogado, é presidente da
Fundação Liberdade e Cidadania do DEM. Foi presidente
do PFL (1993-2007), senador pelo Estado de Santa Catarina (1983-1991 e 1999-2007), governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e
da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).
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