São Paulo, sexta-feira, 07 de dezembro de 2007

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NELSON MOTTA

Metamorfose ou ouro de tolo?

SALVADOR - Quem diria, o anárquico fanfarrão Raulzito virou lição de filosofia política na boca do presidente da República, que sempre tem opinião formada e categórica sobre tudo. Seria um grande desgosto para ele ouvir a sua libertária "Metamorfose ambulante" a serviço da CPMF e das mudanças de opinião de quem, na luta pelo poder, fez de tudo para passar de pedra a vidraça.
Raul cantava a liberdade da dúvida e da contradição, da inteligência em movimento, em plena ditadura militar, quando a opinião só podia ser radical e estática: contra ou a favor. A ditadura proibia as opiniões contrárias; a oposição proibia mudar de opinião, sob a suspeita de estar servindo à direita ou para levar vantagem pessoal, como sempre.
A esquerda nacionalista sempre desprezou o "americanizado" Raul Seixas: ele era incontrolável, individualista e anárquico, detestava partidos, igrejas, instituições, torcidas, escolas e blocos. E certezas. Mas driblava a censura e ridicularizava os sonhos de felicidade da classe média governista, no "milagre brasileiro" dos anos de chumbo, com "Ouro de tolo", aquela que diz: "eu devia estar contente /porque tenho um emprego, /sou um dito cidadão respeitável/...
O baiano Raul, auto-intitulado "um magro abusado", desempenhou com grande coragem, independência e custo pessoal o papel de mosca na sopa dos que têm opinião formada sobre tudo, de esquerda, de direita e de centro, e debochava dos que pensam por slogans e palavras de ordem e mudam de opinião de acordo com os interesses de suas causas, chefes e bolsos.
Quem diria que as palavras de Raul serviriam para legitimar algumas das coisas que ele mais abominava. Coitado, virou camiseta de Che Guevara. O magro abusado não merecia esse abuso.


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