São Paulo, terça-feira, 07 de dezembro de 2010

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CARLOS HEITOR CONY

Fígado de bacalhau

RIO DE JANEIRO - Bacalhau tem fígado? Numa época de muitas perguntas e poucas respostas, não colaboro para a paz geral trazendo mais um enigma à consciência de cada um. Jamais me preocupei com o bacalhau, e muito menos com o seu fígado, se acaso ele -o bacalhau- possui um.
Era comum esse tipo de remédio para anemias, fraquezas, subnutrição, o diabo. O tempo passou e eu deixei para trás a lembrança dos três substantivos enfileirados, fazendo um sentido surrealista: óleo, fígado, bacalhau.
Fígado tem óleo? Tendo ou não tendo, curava todos os males, desde anemias a tuberculoses, unha encravada, depressão psíquica e esgotamento físico. Depois de meditar sobre os três substantivos que nunca deveriam estar juntos (seria o mesmo que fabricar uma "essência de carburador de castiçal"), tentei inverter a sequência, obtendo o bacalhau de fígado de óleo.
Pior é a extravagante operação: pega-se o bacalhau de boa procedência (mar do Norte ou Báltico) e dele se extraem as vísceras. Separa-se o fígado (se é que realmente ele existe). Parece receita de magia negra, mas é apenas a primeira etapa do remédio. Separado o fígado, espreme-se o próprio até obter o óleo.
Só mesmo um animal sem escrúpulos, egoísta e predatório como o homem poderia chegar a esse ponto: pescar o bacalhau, matá-lo, estripá-lo, separar o fígado e espremê-lo! Depois de espremido, o bacalhau reduzido a fígado e em forma de óleo deveria servir para alguma coisa.
Experimenta aqui, experimenta ali e, depois de testado em lubrificação de motores, iluminação pública e pavimentação de estradas, alguém decidiu beber a preciosidade. Se não matasse, deveria ajudar a viver, dando ao homem a capacidade de cometer aberrações iguais, como esta crônica .


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