São Paulo, terça-feira, 08 de janeiro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O trapézio e o chão

RIO DE JANEIRO - Uma das instituições mais antigas da humanidade, o circo já existia na era das cavernas, quando os trogloditas mais afoitos pulavam de grandes alturas, eram admirados e, mais tarde, recompensados pela façanha.
Nos circos modernos, a principal atração sempre foram os trapezistas, que dão saltos mortais sem rede, tão mortais que frequentes vezes um deles se esborracha.
Para aliviar a tensão provocada, tão logo acaba o número dos trapézios, entram em cena os palhaços, que procuram fazer no chão o que os trapezistas fizeram lá em cima. O espetáculo tem de continuar.
Pensei nisso quando vi aquele avião pendurado na parede de um edifício. Um monomotor pilotado por um jovem de 15 anos chocou-se propositadamente contra o prédio do Bank of America, em Tampa.
Como os palhaços que imitam os trapezistas, rolando na serragem do circo, ele repetiu, em escala reduzida, a façanha que outros fizeram com mais emoção e estrago.
Não provocou riso e talvez nem tenha provocado preocupação. Mas já disseram que, para o mundo se tornar um imenso circo, basta botar uma lona por cima.
O recado que ele deu, selado com sua morte, é claro. Os suicidas de 11 de setembro, embora não tivessem a intenção circense, inauguraram um novo tipo de espetáculo. O episódio do WTC, agora repetido em escala ínfima no Bank of America de Tampa, com ou sem motivações políticas, religiosas ou raciais, coloca na mão de qualquer um a pedra e a funda que podem derrubar um gigante.
O gesto do rapaz da Flórida, que era problemático e solitário, teve uma intenção definida: imitar, dentro de suas possibilidades, a tragédia do WTC. Tinha no bolso um bilhete, homenageando Osama bin Laden. Com variações de grau, mas não de gênero, o circo vai continuar.


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