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CARLOS HEITOR CONY
O trapézio e o chão
RIO DE JANEIRO - Uma das instituições mais antigas da humanidade, o circo já existia na era das cavernas,
quando os trogloditas mais afoitos
pulavam de grandes alturas, eram
admirados e, mais tarde, recompensados pela façanha.
Nos circos modernos, a principal
atração sempre foram os trapezistas,
que dão saltos mortais sem rede, tão
mortais que frequentes vezes um deles se esborracha.
Para aliviar a tensão provocada,
tão logo acaba o número dos trapézios, entram em cena os palhaços,
que procuram fazer no chão o que os
trapezistas fizeram lá em cima. O espetáculo tem de continuar.
Pensei nisso quando vi aquele
avião pendurado na parede de um
edifício. Um monomotor pilotado
por um jovem de 15 anos chocou-se
propositadamente contra o prédio do
Bank of America, em Tampa.
Como os palhaços que imitam os
trapezistas, rolando na serragem do
circo, ele repetiu, em escala reduzida,
a façanha que outros fizeram com
mais emoção e estrago.
Não provocou riso e talvez nem tenha provocado preocupação. Mas já
disseram que, para o mundo se tornar um imenso circo, basta botar
uma lona por cima.
O recado que ele deu, selado com
sua morte, é claro. Os suicidas de 11
de setembro, embora não tivessem a
intenção circense, inauguraram um
novo tipo de espetáculo. O episódio
do WTC, agora repetido em escala
ínfima no Bank of America de Tampa, com ou sem motivações políticas,
religiosas ou raciais, coloca na mão
de qualquer um a pedra e a funda
que podem derrubar um gigante.
O gesto do rapaz da Flórida, que
era problemático e solitário, teve
uma intenção definida: imitar, dentro de suas possibilidades, a tragédia
do WTC. Tinha no bolso um bilhete,
homenageando Osama bin Laden.
Com variações de grau, mas não de
gênero, o circo vai continuar.
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