São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Crescimento e sustentabilidade

LISZT VIEIRA


Tenta-se criar a falsa idéia de que meio ambiente é entrave ao desenvolvimento, quando, na verdade, é sua condição


MERECE SER aprofundada a discussão sobre o melhor caminho para o crescimento econômico que, segundo a imprensa, opõe a ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, à ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.
Já na campanha do segundo turno, começou a ser esboçado um debate antes relegado a segundo plano: o modelo de desenvolvimento. Até agora, o que se viu foi o conflito entre uma visão economicista, que sempre prioriza o econômico em detrimento do social, e uma visão híbrida, que combinou um forte desenvolvimento de projetos sociais com uma política macroeconômica que privilegiou a estabilidade e o combate à inflação.
Esse debate deverá ser aprofundado nos próximos anos. O presidente Lula terá dificuldades em conviver com a contradição que marcou seu governo entre os conservadores na área econômica e os progressistas na área social. Um Banco Central identificado com os interesses do mercado financeiro bloqueará uma queda mais acentuada na taxa de juros, dificultando o investimento produtivo e a criação de emprego.
Nesse cenário, o anunciado crescimento de 5% ao ano muito dificilmente será alcançado. O baixo crescimento acabará impactando a redistribuição de renda, que chegará a um limite e comprometerá a política de redução da desigualdade social. Os economicistas, de direita e de esquerda, denunciarão a estagnação.
Mas a defesa de interesses econômicos imediatos muitas vezes bloqueia a visão dos interesses nacionais a longo prazo. Um bom exemplo é a exploração econômica desenfreada de recursos naturais esgotáveis.
Ao contrário do que apregoam os porta-vozes do mercado financeiro, a economia de mercado admite várias políticas econômicas, não apenas a neoliberal. Keynes e Galbraith que o digam. Os países emergentes que mais cresceram nas últimas décadas não aplicaram medidas neoliberais. É precisamente esse o caso da China, da Coréia do Sul e da Índia, em que o Estado desempenha papel importante como indutor do desenvolvimento.
Mas, muitas vezes -é bom não esquecer-, destruindo seus recursos naturais não-renováveis.
Calcula-se que, nos próximos 30 anos, a primeira economia do mundo será a China. A Índia será a terceira. Isso obrigará os EUA a abandonarem seu atual unilateralismo e suas guerras de intervenção em busca de uma nova política de alianças. E o Brasil?
Onde estão as análises prospectivas?
O Brasil tem uma estrutura política centrípeta influenciada por uma política econômica neoliberal que não se cansa de repetir a ladainha do corte de gastos públicos, ao mesmo tempo em que, por astúcias que a razão desconhece, reclama que as estradas estão esburacadas, os hospitais e as escolas, sucateados, não há controladores de vôo suficientes etc. Nesse modelo, como vimos em toda a América Latina, o bolo cresceu, concentrou a riqueza e aumentou a desigualdade.
Na atual conjuntura, porém, tudo indica que se fortalecerá a visão desenvolvimentista que prioriza investimento em infra-estrutura, muitas vezes sem maiores preocupações com impactos ambientais e sociais. Tal visão se choca com a política de desenvolvimento sustentável, que propõe crescimento com redistribuição de renda e proteção ao meio ambiente.
Tenta-se criar a falsa idéia de que meio ambiente é entrave ao desenvolvimento, quando, na verdade, é sua condição. Os licenciamentos solicitados para projetos de infra-estrutura foram quase todos concedidos, mas muitos aguardam investimento ou foram embargados na Justiça pelo Ministério Público. Segundo consta, certos setores empresariais, saudosos do capitalismo selvagem, pressionam o governo para mudar a legislação ambiental.
A situação torna-se mais grave por dois fatores. Primeiro, o efeito estufa em escala planetária provoca mudanças climáticas e desaconselha "flexibilizar" a legislação ambiental. A sustentabilidade não deve ser só econômica, mas também social, cultural e ambiental. Segundo, no atual cenário internacional, o processo de globalização enfraquece o Estado nacional e seus atributos básicos -territorialidade, soberania, autonomia.
Esses fatores, entre outros, exigem que os partidos políticos e a própria mídia ultrapassem os interesses conjunturais de curto prazo para travar o debate sobre o modelo de desenvolvimento no espaço público a partir da perspectiva dos interesses nacionais a longo prazo.

LISZT BENJAMIN VIEIRA , mestre em desenvolvimento e doutor em sociologia, professor da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), é presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. É autor de "Os Argonautas da Cidadania", entre outras obras. Foi secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro.


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