São Paulo, sábado, 8 de março de 1997.

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O edital da Vale

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA
Mesmo depois de esclarecimentos publicados sobre a eventual privatização da Vale, continuo sem resposta para perguntas que o cidadão, preocupado com o bem comum, tem direito e obrigação de fazer.
A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) constitui um dos maiores patrimônios do Brasil.
Não é ético decidir sobre sua privatização sem apresentar argumentos que sejam realmente convincentes e justifiquem o enorme risco que corre o futuro desenvolvimento do país.
1) Por que vender a Vale, empresa que honra o Brasil pela eficiente organização, alto padrão tecnológico, competitividade internacional e crescente lucro que obtém?
Há poucos dias, divulgou-se o lucro de R$ 632 milhões em 1996, que é 76% maior do que o alcançado no ano precedente (R$ 395 milhões).
Os defensores da privatização argumentam que a empresa poderá crescer mais e aumentar seu faturamento gerando empregos e expectativa de maior arrecadação de impostos.
Não será um preconceito injustificado atribuir apenas à privatização garantias de crescimento que, já hoje, se verificam nessa exemplar empresa estatal?
2) Acaba de ser fixado pelo governo o preço mínimo de R$ 10,36 bilhões a ser exigido pela venda da CVRD.
A União detém, atualmente, 51% do capital da Vale (sendo 75,9% das ações ordinárias e 6,3% das ações preferenciais). O governo espera alcançar R$ 3 bilhões com a venda de 45% das ações ordinárias, podendo atingir o total de R$ 5 bilhões ao comerciar, mais tarde, as restantes ações.
Que motivo há para a União alienar essa promissora estatal por preço relativamente tão pequeno, comparado com a ampla concessão do direito de explorar os valiosos recursos minerais que hoje estão sendo comercializados pela Vale?
3) Os R$ 5 bilhões a serem arrecadados destinam-se a resgatar parte da dívida mobiliária federal e formar, sob BNDES, um fundo de empréstimos ao setor privado. É lícito perguntar se essa efêmera vantagem da venda não há de lesar gravemente benefícios futuros, a posição estratégica e a soberania científica e econômica do país, garantida hoje pelo conjunto de empresas da Vale. ``Vendida a galinha, terminam os ovos de ouro''.
4) Após a privatização, o BNDES terá 50% dos recursos minerais ainda não explorados ou a serem descobertos.
Por que subtrair à União a outra metade que é nossa, da enorme e imprevisível riqueza de nosso minério?
À luz da consciência cristã, permanece a perplexidade diante da precipitação com que se procede em matéria tão complexa e discutível. As obrigações importantes do governo com a saúde pública, educação e justiça não devem impedir que continue zelando pela Vale que, com sacrifício e eficiência, nosso povo soube construir.
Neste tempo litúrgico de preparação à Páscoa, somos chamados à conversão pessoal e, também, a assumir nossos deveres, em especial a co-responsabilidade em promover o bem comum.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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