São Paulo, quarta-feira, 08 de março de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A trajetória da mulher na educação brasileira

DILVO RISTOFF

A trajetória da mulher brasileira nos últimos séculos é, para dizer pouco, extraordinária: de uma educação no lar e para o lar, no período colonial, para uma participação tímida nas escolas públicas mistas do século 19; depois, uma presença significativa na docência do ensino primário, seguida de uma presença hoje majoritária em todos os níveis de escolaridade, bem como de uma expressiva participação na docência da educação superior.


A maior presença de mulheres tanto na educação básica como na superior parece enviar dupla mensagem


Embora os homens sejam maioria na população até os 20 anos de idade, as mulheres são maioria na escola a partir da quinta série do ensino fundamental, passando pelo ensino médio, graduação e pós-graduação. Há, hoje, cerca de meio milhão de mulheres a mais do que homens nos campi do Brasil. É verdade que as mulheres ainda são minoria na docência da educação superior, mas a sua participação cresce a cada ano num ritmo 5% maior que a dos homens, o que permite inferir que, mantida a atual tendência de crescimento, elas serão maioria também na docência dentro de, no máximo, cinco anos.
Chama a atenção o fato de mais mulheres do que homens ingressarem na universidade na faixa etária apropriada (18 a 24 anos). A menor presença de homens na graduação, apesar de serem maioria na sociedade na fase do vestibular, parece indicar uma opção masculina precoce pelo mercado de trabalho. Estaria a sociedade reafirmando o clichê de que a tarefa de buscar o sustento da família cabe mais a eles que a elas?
Merece destaque a trajetória das mulheres na graduação: quando deixam o corpo discente, elas representam sete pontos percentuais a mais do que quando ingressam no campus, indicando que a sua taxa de sucesso é maior que a dos homens e que, por isso mesmo, a maioria observada no momento do ingresso (56,4%) se torna ainda mais sólida na formatura (63,4%).
Os cursos mais procurados pelos homens são relativos a engenharia, tecnologia, indústria e computação; pelas mulheres, são relativos a serviços e educação para a saúde e para a sociedade (secretariado, psicologia, nutrição, enfermagem, serviço social, pedagogia). Essa tendência se mantém nos mestrados, doutorados e na própria docência da educação superior.
Se, por um lado, os números permitem inferir que, na educação, a barreira entre os sexos vem sendo rapidamente rompida, com igualdade de oportunidades para todos, as preferências naturalizadas por certas áreas precisam ser analisadas com mais profundidade para identificar as valorações sociais que explicam esse fenômeno e quais são suas implicações para as relações de gênero.
A maior presença de mulheres tanto na educação básica como na superior parece enviar dupla mensagem, uma boa e outra preocupante. A boa é que o Brasil começa a liberar as energias criativas de uma população tradicionalmente educada para a esfera privada. Mais e mais teremos mulheres, altamente qualificadas, ocupando posições de liderança em todas as áreas do conhecimento e contribuindo para a consolidação de um país soberano, avançado e democrático.
A notícia preocupante é que a desproporção entre campus e sociedade escancara o fato de que há muitos homens jovens deixando os bancos escolares cedo demais, por necessidade de contribuir com o sustento da família. Dados da Pnad/IBGE informam que a renda familiar dos alunos do ensino médio é 2,3 vezes menor do que a renda familiar dos universitários de hoje. Com a conquista da universalização do acesso à educação básica, essas dificuldades só tendem a aumentar.
As constatações mostram que, salvo melhor juízo, está correta a expansão da educação superior preconizada no Plano Nacional de Educação e no Plano de Governo. Mostram, porém, bem mais que isso: além de expandir a educação superior, há que se consolidar a democratização do acesso e da permanência no campus, com igual oportunidade para todos, homens e mulheres, ricos e pobres, pretos e brancos.
O maior número de mulheres na escola e no campus, por si só, é insuficiente para dizer sobre mudanças efetivas nas relações de gênero que são socialmente construídas entre os sexos. Sabidamente, essas relações extrapolam a identificação de sexo por estarem imbricadas nas complexas relações de poder que marcam a nossa sociedade e que, por conseqüência, se expressam também nos conflitos e nas contradições da escola e do campus.

Dilvo Ristoff, 55, doutor em literatura pela Universidade do Sul da Califórnia (EUA), é diretor de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina. É autor, entre outras obras, de "Universidade em Foco - Reflexões sobre a Educação Superior".


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