São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O projeto de reforma tributária apresentado pelo governo Lula ao Congresso é bom?

NÃO

Reforma: a que será que se destina?

FERNANDO ZILVETI

O SUPERÁVIT FISCAL é um acontecimento surpreendente. Embora a economia esteja passando por uma fase extremamente favorável, isso não é suficiente para explicar o grande aumento de arrecadação tributária. Tampouco se atribua esse fenômeno a esse ou àquele governo. É difícil medir com exatidão as novas fontes de riqueza criadas com a expansão econômica. No primeiro mês do ano, a arrecadação federal aumentou em níveis muito superiores aos da inflação e do crescimento econômico.
Nesse cenário, o governo propôs a reforma tributária. Ela não trará redução de carga tributária nem tampouco eliminará seu perverso efeito regressivo. É mais provável, inclusive, que ocorra o contrário, como se deu nas alterações do sistema tributário brasileiro na última década. Não se apresenta à sociedade civil cálculos de impacto das alterações propostas.
Não há transparência.
Pontos importantes para uma efetiva desoneração fiscal, como redução do Imposto de Renda, não constam da PEC. Tampouco a fusão do ICMS e do ISS, com a criação do IVA estadual.
Os municípios, em ano eleitoral, conseguiram fazer excluir do projeto original essa alteração, o que mitiga o novo ICMS, que em outros países engloba os dois tributos. Deixou-se de eliminar os efeitos cumulativo e regressivo do ISS.
A proposta de reforma trata, também, do ICMS. O tributo será de competência legislativa da União e dos Estados desde que os últimos estivessem agrupados (um terço). Os Estados, individualmente, perdem seu instrumento de política fiscal de atração. O mote dessa alteração é a guerra fiscal. Por conta da patologia do sistema associada à impunidade, os Estados estão ameaçados de perda de autonomia fiscal. As compensações propostas não convencem, posto que historicamente descumpridas.
Propõe-se a competência dos Estados requisitarem intervenção federal contra seus pares que retenham verbas.
Nunca houve intervenção federal efetiva no Brasil.
A mecânica no novo ICMS seria alterada, com a tributação em favor do Estado destinatário dos produtos e não mais do originário. Após um período de transição, também seria eliminada a cobrança desse imposto nas operações interestaduais. O contribuinte hoje não recebe seus créditos fiscais do ICMS sobre os insumos e matérias primas utilizadas no processo produtivo exportador. O Estado destino resiste em devolver o imposto. Essa alteração é, quiçá, a única vantagem efetiva para o contribuinte.
Outra alteração trata do IVA federal. O novo tributo seria fruto da unificação da Cofins, do PIS/Pasep e da Cide. O IVA federal, lamentavelmente, não deve incluir o IPI. É curioso que, em outras jurisdições, o IVA é um só e também atinge a produção industrial sem, contudo, deixar de ser instrumento indutor dos governos.
A alíquota do IVA federal não foi divulgada, o que preocupa. A União abriria mão de receita exclusiva das contribuições sociais em favor de um imposto com divisão prevista na constituição? Não se enganem, pois a PEC prevê restrição à repartição constitucionalmente vinculada. A Seguridade Social, já combalida, está ameaçada de perder suas receitas vinculadas. A unificação das contribuições em IVA seria vista com mais seriedade se a receita fosse destinada, constitucionalmente, à Seguridade Social, defeso a imposto.
Desoneração viria, talvez, da redução das contribuições sobre folha de salários das empresas, como o INSS patronal, da contribuição para o custeio do Incra e o salário-educação. Essa proposta, porém, em função da atuação dos grupos de pressão, ficou condicionada à lei futura. A desoneração dependerá, ainda, da vinculação do produto do IVA federal para o financiamento da seguridade social, o que é inconstitucional.
A proposta de reforma, portanto, não se destina à redução de carga fiscal. Não simplifica a tributação nem elimina os efeitos regressivos dos tributos indiretos. Se não for, então, para melhoria do sistema, restará a pergunta: a que será que se destina?


FERNANDO ZILVETI, 43, mestre e doutor em direito tributário pela USP, é professor da Escola de Administração de Empresas da FGV e conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Armando Monteiro Neto: Hora de recuperar o tempo perdido

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.