|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O projeto de reforma tributária apresentado
pelo governo Lula ao Congresso é bom?
NÃO
Reforma: a que será que se destina?
FERNANDO ZILVETI
O SUPERÁVIT FISCAL é um
acontecimento surpreendente. Embora a economia esteja
passando por uma fase extremamente favorável, isso não é suficiente para
explicar o grande aumento de arrecadação tributária. Tampouco se atribua esse fenômeno a esse ou àquele
governo. É difícil medir com exatidão
as novas fontes de riqueza criadas
com a expansão econômica. No primeiro mês do ano, a arrecadação federal aumentou em níveis muito superiores aos da inflação e do crescimento econômico.
Nesse cenário, o governo propôs a
reforma tributária. Ela não trará redução de carga tributária nem tampouco eliminará seu perverso efeito
regressivo. É mais provável, inclusive,
que ocorra o contrário, como se deu
nas alterações do sistema tributário
brasileiro na última década. Não se
apresenta à sociedade civil cálculos
de impacto das alterações propostas.
Não há transparência.
Pontos importantes para uma efetiva desoneração fiscal, como redução
do Imposto de Renda, não constam
da PEC. Tampouco a fusão do ICMS e
do ISS, com a criação do IVA estadual.
Os municípios, em ano eleitoral, conseguiram fazer excluir do projeto original essa alteração, o que mitiga o
novo ICMS, que em outros países engloba os dois tributos. Deixou-se de
eliminar os efeitos cumulativo e regressivo do ISS.
A proposta de reforma trata, também, do ICMS. O tributo será de competência legislativa da União e dos Estados desde que os últimos estivessem agrupados (um terço). Os Estados, individualmente, perdem seu
instrumento de política fiscal de atração. O mote dessa alteração é a guerra
fiscal. Por conta da patologia do sistema associada à impunidade, os Estados estão ameaçados de perda de autonomia fiscal. As compensações propostas não convencem, posto que historicamente descumpridas.
Propõe-se a competência dos Estados requisitarem intervenção federal contra
seus pares que retenham verbas.
Nunca houve intervenção federal efetiva no Brasil.
A mecânica no novo ICMS seria alterada, com a tributação em favor do
Estado destinatário dos produtos e
não mais do originário. Após um período de transição, também seria eliminada a cobrança desse imposto nas
operações interestaduais. O contribuinte hoje não recebe seus créditos
fiscais do ICMS sobre os insumos e
matérias primas utilizadas no processo produtivo exportador. O Estado
destino resiste em devolver o imposto. Essa alteração é, quiçá, a única
vantagem efetiva para o contribuinte.
Outra alteração trata do IVA federal. O novo tributo seria fruto da unificação da Cofins, do PIS/Pasep e da
Cide. O IVA federal, lamentavelmente, não deve incluir o IPI. É curioso
que, em outras jurisdições, o IVA é
um só e também atinge a produção industrial sem, contudo, deixar de ser
instrumento indutor dos governos.
A alíquota do IVA federal não foi divulgada, o que preocupa. A União
abriria mão de receita exclusiva das
contribuições sociais em favor de um
imposto com divisão prevista na
constituição? Não se enganem, pois a
PEC prevê restrição à repartição
constitucionalmente vinculada. A Seguridade Social, já combalida, está
ameaçada de perder suas receitas vinculadas. A unificação das contribuições em IVA seria vista com mais seriedade se a receita fosse destinada,
constitucionalmente, à Seguridade
Social, defeso a imposto.
Desoneração viria, talvez, da redução das contribuições sobre folha de
salários das empresas, como o INSS
patronal, da contribuição para o custeio do Incra e o salário-educação. Essa proposta, porém, em função da
atuação dos grupos de pressão, ficou
condicionada à lei futura. A desoneração dependerá, ainda, da vinculação
do produto do IVA federal para o financiamento da seguridade social, o
que é inconstitucional.
A proposta de reforma, portanto,
não se destina à redução de carga fiscal. Não simplifica a tributação nem
elimina os efeitos regressivos dos tributos indiretos. Se não for, então, para melhoria do sistema, restará a pergunta: a que será que se destina?
FERNANDO ZILVETI, 43, mestre e doutor em direito tributário pela USP, é professor da Escola de Administração
de Empresas da FGV e conselheiro do Instituto Brasileiro
de Direito Tributário.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Armando Monteiro Neto: Hora de recuperar o tempo perdido Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|