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Delegacia sem delegado
A ausência de titulares em
um terço dos municípios
do Estado de São Paulo
contribui para a notória má
qualidade do inquérito policial
A visita à maioria dos distritos
policiais deixa evidente que são
repartições pouco propícias para a
investigação criminal. Mais que
atividades de inteligência, impera
ali a burocracia do inquérito, em
que a função policial se confunde
com a produção de documentos
escritos. Sobre a floresta de papéis
reina um bacharel em direito, o
delegado -quando está presente.
Reportagem da Folha revelou
que um terço das cidades paulistas -206 de 645 municípios- carece de delegados titulares. Isso
quer dizer que essas delegacias ficam acéfalas na maior parte dos
dias, recebendo visitas do responsável final pelos inquéritos duas
vezes por semana, se tanto.
Ao acumular a supervisão de
várias delas, o delegado dificilmente se familiarizará o bastante
com as peças em andamento. Notoriamente deficientes, mesmo
quando feitos em delegacias bem
dotadas de pessoal e recursos, os
inquéritos se tornam ainda mais
morosos e falhos. É o princípio de
uma longa cadeia de impunidade.
Para que crimes cheguem a ser
julgados e seus perpetradores,
condenados, um inquérito precisa
ser acatado como completo e competente pelo Ministério Público,
que oferece denúncia à Justiça.
Não há boas estatísticas nacionais
sobre tal medida de eficiência do
trabalho policial no Brasil. Estudo
concluído em 2009 sob a coordenação do sociólogo Michel Misse,
no entanto, revelou situação acabrunhante nas capitais de cinco
Estados (DF, MG, PE, RJ e RS).
O levantamento mostrou que
92,5% dos homicídios dolosos resultam em inquéritos enviados ao
Ministério Público até quatro anos
após a ocorrência. Meros 4% deles
se tornam denúncias, vale dizer, o
início de ação penal. A maioria
(82%) é devolvida ao delegado para novas diligências, iniciando o
vaivém pejorativamente conhecido como "pingue-pongue".
Decerto a ausência de delegados titulares não constitui a causa
principal de tamanha ineficácia,
mas tampouco parece propícia à
produção de inquéritos robustos.
A Secretaria da Segurança Pública
de São Paulo defende que o acúmulo de funções não é prejudicial.
As cidades desguarnecidas têm
população aquém de 100 mil habitantes e índices baixos de criminalidade. Nessas condições, o delegado poderia supervisionar o
trabalho de investigadores à distância. A reportagem, por outro lado, constatou que no ano passado
131 daqueles 206 municípios tiveram aumento de pelo menos um
tipo de crime (homicídio, roubo e
furto) na comparação com 2009.
É concebível que algumas localidades prescindam da presença
de um delegado em período integral. Nesses casos, contudo, faria
mais sentido fechar os postos desnecessários. Há no presente nove
concursos em andamento no Estado para 6.376 vagas de policiais
militares e civis -nenhum deles
destinado a preencher as cadeiras
vacantes de delegados.
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