São Paulo, sábado, 08 de abril de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O relatório final da CPMI dos Correios é fiel aos trabalhos da comissão?

SIM

Sentença irrefutável

EDUARDO PAES

"Poder-se-ia pensar que, após tantas e tão vergonhosas cedências como haviam sido as do governo durante o sobe-e-desce das transações com a máphia, indo ao extremo de consentir que humildes e honestos funcionários passassem a trabalhar o tempo inteiro para a organização criminosa, poder-se-ia pensar, dizíamos, que já não seriam possíveis maiores baixezas morais."
O trecho acima, de Saramago, em "As Intermitências da Morte", serve para retratar bem o clima do momento em que tiveram início as investigações da CPMI dos Correios. Estaríamos diante de um caso de corrupção "tradicional" do Brasil: servidores públicos cooptados por atores políticos legitimados por negociações escusas trazendo prejuízos aos cofres públicos.
A partir daí, foi sendo descoberta uma rede de corrupção que tomou conta do chamado "núcleo duro" do Executivo e que envolveu até a alma o Legislativo. À medida que caminhavam as investigações, foi ficando claro que figuras importantes do governo e de seu partido, todos muito próximos do presidente da República, foram os verdadeiros mentores e operadores desse esquema.
O relatório do deputado Osmar Serraglio, aprovado nesta semana, nada mais faz do que, com isenção e imparcialidade, retratar esse quadro assustador, posicionando fatos e atores que comprovam a existência do chamado mensalão. Não há nele nem sequer uma frase que não esteja baseada em provas documentais e testemunhais e que não tenha conexão direta com tudo aquilo que foi investigado ao longo de dez meses pelos membros da comissão, apesar dos esforços do governo e de parte de sua base para tentar impedir as investigações.
Em um momento em que a corrupção se banaliza, estimulada pelo próprio Lula, que, em repetidas ocasiões, afirmou que "todo mundo faz a mesma coisa", e em que o plenário da Câmara passa a tomar decisões de absoluta conivência e legitimação de atos criminosos, o relatório de Serraglio é um alento em um oceano de más notícias.
As quase 2.000 páginas trazem um enredo em que se misturam todos os ingredientes da fraqueza do Estado brasileiro em se proteger das ações de grupos que o tomam de assalto e passam a utilizar-se dele para todos os fins. Relata, de forma firme e direta, os esquemas de corrupção montados em estatais.
Quando trata da ação do publicitário que "seduziu" o partido do presidente da República, mostra com detalhes as fontes -majoritariamente públicas- de financiamento desse esquema.
No relatório, desmontam-se operações simuladas de "empréstimos" que serviam para "esquentar" recursos escusos que alimentavam o esquema, descreve-se o emaranhado de operações financeiras realizadas para não deixar pistas e, mais triste, chega-se ao limite de detalhar como eram feitos os repasses a pessoas eleitas para representar a população com provas irrefutáveis, como recibos assinados pelos próprios corrompidos. Chega-se a reproduzir no relatório algo que muitos só tínhamos visto nos cinemas: pela numeração das notas, se chega aos criminosos.
Demonstra-se de maneira clara e contundente como o publicitário, que se transformou em pouco tempo no melhor amigo do poder, teve seu patrimônio quase que quintuplicado a partir do momento em que passou a estabelecer relações íntimas com o Executivo.
Tentou-se, durante os últimos dez meses, limitar essa rede criminosa à prática do chamado "caixa dois", como se isso já não fosse suficientemente grave. Buscou-se dizer que tudo não passava de "recursos de campanha não contabilizados". Procurou-se de todas as formas impedir que as investigações continuassem ou tivessem um curso normal. Ora, fazia-se isso para confundir a imprensa e a opinião pública com discursos que, no fim, tinham o objetivo de vulgarizar a prática de corrupção em uma tentativa de fazer um "abraço dos afogados".
Esse é o grande mérito do relatório de Serraglio: todas as mentiras contadas ao longo desse processo foram desmontadas incisivamente e provou-se um sistema sofisticado de corrupção que não pode nos causar alegrias a não ser pelo fato de trazer a esperança de que ainda existem homens de bem -não esqueçamos aí da firmeza e correção do senador Delcídio Amaral- prontos a não jogar, como se costuma fazer no Brasil, a sujeira para debaixo do tapete.
No livro, Saramago diz: "Infelizmente, quando se avança às cegas pelos pantanosos terrenos da realpolitik, quando o pragmatismo toma conta da batuta e dirige o concerto sem atender ao que está escrito na pauta, o mais certo é que a lógica imperativa do aviltamento venha a demonstrar, afinal, que havia uns quantos degraus para descer".


Eduardo Paes, 36, advogado, é deputado federal pelo PSDB-RJ e secretário-geral do partido. Foi relator-adjunto da CPMI dos Correios.


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