|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O relatório final da CPMI dos Correios
é fiel aos trabalhos da comissão?
SIM
Sentença irrefutável
EDUARDO PAES
"Poder-se-ia pensar que, após
tantas e tão vergonhosas cedências como haviam sido as do governo
durante o sobe-e-desce das transações
com a máphia, indo ao extremo de consentir que humildes e honestos funcionários passassem a trabalhar o tempo
inteiro para a organização criminosa,
poder-se-ia pensar, dizíamos, que já
não seriam possíveis maiores baixezas
morais."
O trecho acima, de Saramago, em "As
Intermitências da Morte", serve para retratar bem o clima do momento em que
tiveram início as investigações da CPMI
dos Correios. Estaríamos diante de um
caso de corrupção "tradicional" do Brasil: servidores públicos cooptados por
atores políticos legitimados por negociações escusas trazendo prejuízos aos
cofres públicos.
A partir daí, foi sendo descoberta uma
rede de corrupção que tomou conta do
chamado "núcleo duro" do Executivo e
que envolveu até a alma o Legislativo. À
medida que caminhavam as investigações, foi ficando claro que figuras importantes do governo e de seu partido,
todos muito próximos do presidente da
República, foram os verdadeiros mentores e operadores desse esquema.
O relatório do deputado Osmar Serraglio, aprovado nesta semana, nada mais
faz do que, com isenção e imparcialidade, retratar esse quadro assustador, posicionando fatos e atores que comprovam a existência do chamado mensalão.
Não há nele nem sequer uma frase que
não esteja baseada em provas documentais e testemunhais e que não tenha
conexão direta com tudo aquilo que foi
investigado ao longo de dez meses pelos
membros da comissão, apesar dos esforços do governo e de parte de sua base
para tentar impedir as investigações.
Em um momento em que a corrupção
se banaliza, estimulada pelo próprio Lula, que, em repetidas ocasiões, afirmou
que "todo mundo faz a mesma coisa", e
em que o plenário da Câmara passa a
tomar decisões de absoluta conivência e
legitimação de atos criminosos, o relatório de Serraglio é um alento em um
oceano de más notícias.
As quase 2.000 páginas trazem um
enredo em que se misturam todos os ingredientes da fraqueza do Estado brasileiro em se proteger das ações de grupos
que o tomam de assalto e passam a utilizar-se dele para todos os fins. Relata, de
forma firme e direta, os esquemas de
corrupção montados em estatais.
Quando trata da ação do publicitário
que "seduziu" o partido do presidente
da República, mostra com detalhes as
fontes -majoritariamente públicas-
de financiamento desse esquema.
No relatório, desmontam-se operações simuladas de "empréstimos" que
serviam para "esquentar" recursos escusos que alimentavam o esquema, descreve-se o emaranhado de operações financeiras realizadas para não deixar
pistas e, mais triste, chega-se ao limite
de detalhar como eram feitos os repasses a pessoas eleitas para representar a
população com provas irrefutáveis, como recibos assinados pelos próprios
corrompidos. Chega-se a reproduzir no
relatório algo que muitos só tínhamos
visto nos cinemas: pela numeração das
notas, se chega aos criminosos.
Demonstra-se de maneira clara e contundente como o publicitário, que se
transformou em pouco tempo no melhor amigo do poder, teve seu patrimônio quase que quintuplicado a partir do
momento em que passou a estabelecer
relações íntimas com o Executivo.
Tentou-se, durante os últimos dez
meses, limitar essa rede criminosa à
prática do chamado "caixa dois", como
se isso já não fosse suficientemente grave. Buscou-se dizer que tudo não passava de "recursos de campanha não contabilizados". Procurou-se de todas as
formas impedir que as investigações
continuassem ou tivessem um curso
normal. Ora, fazia-se isso para confundir a imprensa e a opinião pública com
discursos que, no fim, tinham o objetivo
de vulgarizar a prática de corrupção em
uma tentativa de fazer um "abraço dos
afogados".
Esse é o grande mérito do relatório de
Serraglio: todas as mentiras contadas ao
longo desse processo foram desmontadas incisivamente e provou-se um sistema sofisticado de corrupção que não
pode nos causar alegrias a não ser pelo
fato de trazer a esperança de que ainda
existem homens de bem -não esqueçamos aí da firmeza e correção do senador Delcídio Amaral- prontos a não
jogar, como se costuma fazer no Brasil,
a sujeira para debaixo do tapete.
No livro, Saramago diz: "Infelizmente, quando se avança às cegas pelos pantanosos terrenos da realpolitik, quando
o pragmatismo toma conta da batuta e
dirige o concerto sem atender ao que está escrito na pauta, o mais certo é que a
lógica imperativa do aviltamento venha
a demonstrar, afinal, que havia uns
quantos degraus para descer".
Eduardo Paes, 36, advogado, é deputado federal pelo PSDB-RJ e secretário-geral do partido.
Foi relator-adjunto da CPMI dos Correios.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Henrique Fontana: Um relatório incompleto
Índice
|