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ELIANE CANTANHÊDE
"As duas cidades"
BRASÍLIA - Mesmo quem não é
do Rio está cansado de ouvir falar
de Copacabana, Ipanema, Leblon.
Mas que tal passar os olhos pelo
mapa de ontem na Folha com os locais onde ocorreram mortes? Você
conhece Taquara, Turano, Borel,
São Gonçalo? E os morros dos Macacos, do Andaraí, dos Prazeres?
Esse mapa reaviva um texto do
poeta e jornalista Augusto Frederico Schmidt, há 62 anos, na então
"Folha da Manhã": "As duas cidades". Era premonitório. É de uma
atualidade espantosa.
"São duas cidades, como dois
exércitos inimigos, uma diante da
outra (...). A cidade de farrapos, a cidade de miséria, a cidade chamada
das favelas desafia a outra cidade, a
nossa", alertou em 1948, descrevendo justamente as áreas onde as
tragédias têm acolhida e matam.
Como relatava Schmidt, "o próprio presidente da República, justamente alarmado, insiste em atacar
o domínio da miséria, o exército de
párias que se instalou em nossa cidadela". Muitos presidentes, governadores e prefeitos se revezaram
no poder desde então, uns democraticamente, outros impostos.
Nem uns nem outros de fato atacaram a miséria e a questão das favelas. Mas as promessas atravessaram seis décadas. E continuam.
É constrangedor ouvir o presidente Lula, o governador Sérgio
Cabral e o prefeito Eduardo Paes
procurando justificativas inúteis,
prometendo que, da próxima vez
(sempre da próxima vez...), tudo será diferente. OK. Eles entraram na
dança há pouco, não há como culpá-los diretamente. Mas apenas
aumentam a lista de responsáveis,
empilhando promessas que não
cumpriram nem vão cumprir.
Como dizia Schmidt, "as favelas
continuarão a existir enquanto o
Brasil não se redimir, não se salvar
(...). As favelas são o retrato do Brasil". E onde se amontoam os brasileiros fadados a morrer, nesta e nas
futuras tragédias no Rio, em São
Paulo, no Nordeste, onde for. As
"duas cidades" são os "dois Brasis".
elianec@uol.com.br
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