São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2010

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ELIANE CANTANHÊDE

"As duas cidades"

BRASÍLIA - Mesmo quem não é do Rio está cansado de ouvir falar de Copacabana, Ipanema, Leblon.
Mas que tal passar os olhos pelo mapa de ontem na Folha com os locais onde ocorreram mortes? Você conhece Taquara, Turano, Borel, São Gonçalo? E os morros dos Macacos, do Andaraí, dos Prazeres?
Esse mapa reaviva um texto do poeta e jornalista Augusto Frederico Schmidt, há 62 anos, na então "Folha da Manhã": "As duas cidades". Era premonitório. É de uma atualidade espantosa.
"São duas cidades, como dois exércitos inimigos, uma diante da outra (...). A cidade de farrapos, a cidade de miséria, a cidade chamada das favelas desafia a outra cidade, a nossa", alertou em 1948, descrevendo justamente as áreas onde as tragédias têm acolhida e matam.
Como relatava Schmidt, "o próprio presidente da República, justamente alarmado, insiste em atacar o domínio da miséria, o exército de párias que se instalou em nossa cidadela". Muitos presidentes, governadores e prefeitos se revezaram no poder desde então, uns democraticamente, outros impostos.
Nem uns nem outros de fato atacaram a miséria e a questão das favelas. Mas as promessas atravessaram seis décadas. E continuam.
É constrangedor ouvir o presidente Lula, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes procurando justificativas inúteis, prometendo que, da próxima vez (sempre da próxima vez...), tudo será diferente. OK. Eles entraram na dança há pouco, não há como culpá-los diretamente. Mas apenas aumentam a lista de responsáveis, empilhando promessas que não cumpriram nem vão cumprir.
Como dizia Schmidt, "as favelas continuarão a existir enquanto o Brasil não se redimir, não se salvar (...). As favelas são o retrato do Brasil". E onde se amontoam os brasileiros fadados a morrer, nesta e nas futuras tragédias no Rio, em São Paulo, no Nordeste, onde for. As "duas cidades" são os "dois Brasis".

elianec@uol.com.br


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