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São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A gestão estratégica do conhecimento

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

Mantém-se aceso o debate sobre as políticas adequadas para sustentar o crescimento da nossa já apreciável produção científica e continuar a estimular sua apropriação pelos brasileiros. O fato de já haver um lugar para esse debate e a atenção que tem recebido na imprensa são sinais de que mais setores, na sociedade brasileira, ganharam consciência de que a produção e a difusão do conhecimento representam uma chave para o desenvolvimento sustentável. É possível encontrar as provas disso no exame da experiência internacional, mas não necessitamos ir longe.
O conhecimento produzido no Brasil basta para exemplificar a correlação desenvolvimento/ciência e tecnologia. Para citar uma evidência, está aí o impacto da Embrapa na pujança do agronegócio brasileiro. Há outras conquistas nas quais também interveio o conhecimento "made in Brazil". Por exemplo, na invenção dos caminhos que levaram o país, desde a década de 60, a elevar de 40% para 96% a proporção de crianças na escola e a reduzir de 124 para 26 por mil nascidos vivos a taxa de mortalidade infantil. Quem se detiver sobre essas conquistas vai encontrar na construção delas o rastro da participação de pesquisadores brasileiros, manifestação também da qualidade do nosso ensino superior público.
É justamente quando se acelera a capacidade brasileira de produzir conhecimento e de formar pessoas capazes de criar e usar conhecimento que se torna essencial a gestão estratégica dessa capacidade. A velocidade da expansão da fronteira do conhecimento exige cada vez mais a prospecção, a eleição de certos focos sem prejuízo da pesquisa motivada pela curiosidade do cientista, reconhecidamente tão importante, a análise constante das oportunidades e dos desafios a serem atacados.
Pois já há no Brasil uma entidade capaz de prover os estudos, informações e análises necessários para que o Estado brasileiro possa criar políticas baseadas em uma real gestão estratégica do conhecimento. Seu nome tem frequentado o debate: é o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, o CGEE.


No quadro da responsabilidade com o futuro, políticas de Estado para ciência e tecnologia ganham relevância


O CGEE nasceu na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. A conferência, ocorrida em setembro de 2001 em Brasília, foi ápice e fundamento de um amplo processo de discussão sobre ciência e tecnologia como nunca se viu no Brasil. Envolveram-se nela representantes do setor público e do setor privado, da indústria e da empresa pública, do Poder Executivo e do Poder Legislativo, dos Estados e municípios. O centro foi fundado durante a conferência, por 262 pesquisadores, empresários, gestores públicos, jornalistas. Aprovou-se ali seu estatuto e escolheu-se seu presidente. Associei-me à sua criação por ela expressar essa nova maturidade da pesquisa brasileira e a preocupação em consolidar e articular uma sabedoria nacional sobre nossas possibilidades futuras, para colocá-la à disposição do país.
O debate em curso revela que essa função do CGEE não tem sido completamente compreendida. O centro não veio para substituir o Estado brasileiro na criação e implementação de políticas para C&T; veio para ajudar o Estado brasileiro a criar essas políticas, dar a elas mais inteligência, enriquecê-las com informação qualificada. Também falta compreensão sobre a natureza jurídica da nova entidade.
O CGEE nasceu como organização social, uma novidade no ordenamento jurídico. Funciona assim: quando o Poder Executivo decide que outrem, em seu lugar, executará com mais desenvoltura e estabilidade certas tarefas ligadas, por exemplo, ao ensino, à pesquisa científica, à produção de cultura e de conhecimento, pode qualificar uma organização social para as realizar. Ao fazê-lo, amplia o espaço democrático, porque abre mão de parcela de seu poder. Só o pode fazer, por isso mesmo, de acordo com a lei. Segundo ela, o Executivo estabelece o que quer de cada organização social através de um contrato de gestão.
O CGEE assinou o seu com a União em abril de 2000, quando se estatuíram obrigações e também o modo pelo qual se decide se o centro as cumpriu ou não. A Comissão de Acompanhamento e Avaliação do contrato de gestão reuniu-se em março último. Em seu relatório, a comissão declara que o centro atingiu plenamente as metas pactuadas, ressalta sua importância estratégica e aprova seu desempenho com nota 9,5. Para obter essa avaliação, o CGEE organizou encontros que envolveram 1.400 pessoas em 2002, que subsidiaram a produção de dezenas de estudos prospectivos em áreas bastante diversas. Por exemplo, o Programa Brasileiro de Células a Combustível, uma das tecnologias candidatas à esperança de produzirmos mais energia limpa no futuro.
O Centro de Gestão também se debruçou sobre agronegócios, produção de medicamentos, alternativas para o desenvolvimento de tecnologias para o semi-árido e para a Amazônia etc.
Pensar sobre a construção do futuro é a incumbência primeira do CGEE. Nunca antes o país dispôs de uma instituição dedicada exclusivamente a isso. Podemos nos dar a esse luxo, nós que temos recursos limitados, e diante de tantas questões urgentes? Há só uma resposta responsável: é imprescindível que o façamos. No quadro da responsabilidade com o futuro, políticas de Estado para ciência e tecnologia ganham relevância. Políticas de Estado diferem de políticas de governo, têm perenidade e prestígio especiais. São tarefa insubstituível do Estado e, por isso, os bons governos estão também obrigados a elas. Gozam de legitimidade singular por serem estratégicas. Sustentam-se num consenso que ultrapassa os governos.
O CGEE é uma das armas com que conta o governo para construir suas políticas de Estado para C&T através da verdadeira gestão estratégica do conhecimento. É uma grande oportunidade, ainda maior quando sabemos que nenhum governo antes deste iniciou seu trabalho dispondo de uma infra-estrutura tão qualificada para gerar inteligência.

Carlos Henrique de Brito Cruz, 46, doutor em física pela Unicamp, é o reitor da universidade. Foi presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) de 1996 a 2002.


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