|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Os neobonzos
RIO DE JANEIRO - A mania pode pegar: pessoas desesperadas por causa
do desemprego, da falta de perspectiva no mercado de trabalho, repetem
aquele ritual que andou em moda ao
tempo da Guerra do Vietnã, quando
alguns bonzos, com as vestes cor de
laranja, colocavam-se em lugares públicos, derramavam gasolina no corpo e tacavam fogo.
Era impressionante ver as fotos dos
bonzos, no velho Cineac, um cineminha que passava jornais cinematográficos feitos lá fora. Viam-se as
mãos postas, a pose flor de lótus, que
permanecia intacta até que os corpos
fossem transformados em cinzas.
Não pareciam desesperados. Incendiavam-se em sinal de protesto contra isso ou aquilo -a guerra comia
solta, numa escalada que criou milhares de fotos piores do que a do sacrifício expiatório dos bonzos.
Desesperadas eram as noivas abandonadas, as mulheres traídas pelos
maridos que, no estilo do noticiário
policial da época, "ateavam fogo às
vestes". Não faz muito, um cidadão
menos radical ameaçou jogar-se do
plenário do Senado, foi contido pelos
seguranças e passou o pires entre os
pais da pátria, levando para casa alguns trocados, coisa de duzentos e
poucos reais, doados pelos senadores
de bom coração.
Enquanto o espetáculo do crescimento não chega, apesar de repetidamente prometido pelo presidente da
República, ficamos condenados a
consumir espetáculos menores como
aperitivo para as maravilhas que nos
esperam.
A alternativa para o sacrifício pessoal tornou-se mais sedutora: é o sacrifício coletivo a que estamos condenados pela onda da violência que
continua crescendo e dando mostras
de que não pode ser controlada pelos
setores responsáveis da sociedade.
Tudo vai depender da escala: o fosso de água em torno do Planalto pode apagar as chamas e salvar a vida
dos recalcitrantes. Mas da fossa geral
ninguém está salvo.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Mentiras e reeleição Próximo Texto: Luciano Mendes de Almeida: Por um novo Brasil 4ª Semana Social Índice
|