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SÉRGIO DÁVILA
Conversas prazerosas
A RAINHA ELIZABETH 2ª está
em visita aos EUA para comemorar os 400 anos do
primeiro assentamento permanente em língua inglesa da então
colônia. Já havia feito o mesmo nos
350 anos, o que dá nova dimensão
ao termo "estabilidade no emprego". Ontem, ela e o príncipe Philip
eram recebidos em jantar na Casa
Branca.
A soberana passa por uma de
suas fases mais "pop", conseqüência principalmente de um filme oscarizado que a apresentou a novas
gerações ignorantes da existência
de uma Elizabeth e de um império
que um dia comandou as ondas do
mar -aliás, Buckingham apressou-se em dizer que, não, a rainha não
pretende assistir a "A Rainha".
Ela chega aos EUA num momento em que seu anfitrião, George 2º,
passa ele próprio por sua fase "rainha da Inglaterra", no sentido dos
dicionários, de alguém com poder
de direito, não de fato. Por conta de
sua condução da Guerra do Iraque,
o presidente Bush amarga popularidade negativa recorde.
Com um Congresso atuante e
hostil, que ameaça fazê-lo governar
por vetos, e um gabinete em que cada membro parece ter combinado
a vez e o mês em que meterá os pés
pelas mãos, o republicano corre o
risco de passar os 622 dias que lhe
restam trancado na Asa Oeste, a vagar, como o fantasma do rei Arthur.
O "legado" do presidente respinga na biografia de outro britânico.
O primeiro-ministro Tony Blair,
chamado por seus críticos "o poodle de Bush", deixa o poder nas
próximas semanas com o rabo entre as pernas. O premiê trabalhista
demorou a questionar os motivos e
a suspeitar da inteligência que levaram os EUA a invadir o Iraque e
o Reino Unido a embarcar junto.
Sua gestão será marcada para
sempre pela submissão cega, fundamental para o início de uma
guerra que custa a vida de dezenas
de milhares de pessoas inocentes e
desestabiliza ainda mais o Oriente
Médio, ao fazer do Iraque solo fértil para xiitas e sunitas reviverem
diferenças.
O assunto não faria parte do encontro de ontem. "Vamos deixá-los
ter conversas prazerosas, que reflitam nossos laços antigos", disse
ontem o porta-voz da Casa Branca
quando indagado se o Iraque estaria na pauta de Bush e da rainha.
Entre garfadas de carneiro assado com molho "chanterelle" e bebericos de Peter Michael "Les Pavots" 2003, um cabernet do Sonoma, os dois devem ter comentado o
clima (fez sol o dia inteiro) e falado
das "crianças" (as gêmeas Bush,
uma das quais estaria presente, os
sete netos da rainha, um dos quais
a chama de "Super Vó").
Horas antes, 68 pessoas morreram e 67 ficaram feridas num ataque em Bagdá. Convenhamos, não
é tópico para "conversa prazerosa"
entre a realeza.
sdavila@folhasp.com.br
SÉRGIO DÁVILA é correspondente em Washington.
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