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TENDÊNCIAS/DEBATES
Um falso dilema na educação
MARIA ALICE SETUBAL
Alcançamos algo que parecia inatingível: colocar a educação como valor
a ser preservado pela sociedade brasileira
A EXTENSA cobertura da mídia
e a repercussão alcançada pelo
Plano de Desenvolvimento da
Educação e pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)
parecem indicar que finalmente a
educação passou a ser um valor para a
sociedade brasileira e que a melhoria
da qualidade do ensino é uma prioridade a ser atingida.
Embora esse fato traga enorme satisfação para os que militam na área
da educação, a complexidade da questão educacional não permite conclusões aligeiradas a partir de um caso
isolado de sucesso ou de fracasso.
Nesse contexto se insere o falso dilema: "Gestão eficiente ou mais recursos?". Para alguns setores da sociedade, os grandes desafios da educação brasileira se resumem a destinar mais recursos para a área. Para a
outra ponta da corrente, a saída é adotar um choque de eficiência na gestão.
A análise dos dados do Ideb mostra
que bons resultados foram alcançados por municípios grandes e pequenos, tanto por aqueles que destinam
muitos recursos à educação quanto
pelos que destinam poucos. No entanto, não nos parece coincidência
que todos os mil municípios que obtiveram os piores resultados sejam pobres e estejam localizados nas regiões
Norte e Nordeste e, em contrapartida,
entre os melhores resultados, todos
se situem nas regiões Sul e Sudeste.
A experiência acumulada nos mostra que o bom funcionamento de uma
escola exige instalações físicas adequadas -biblioteca, computadores,
laboratório. Entretanto, sabemos
também que essa é uma condição necessária, mas não suficiente.
Se olharmos o universo das empresas privadas bem-sucedidas, muitas
vezes citadas como exemplo de gestão eficiente, certamente encontraremos entre os principais fatores do sucesso a existência de um quadro de
funcionários competentes.
A busca e retenção de talentos é hoje um dos campos de maior investimento e competição entre as empresas, pois elas sabem que recurso humano é um fator diferencial para alcançar metas e bons resultados.
Fazendo uma analogia com a área
da educação, nossos talentos são os
professores, os coordenadores e os diretores de escola. Eles devem ser valorizados com salários dignos, planos
de carreira e capacitação continuada.
A contrapartida que têm com a sociedade é o compromisso com o aprendizado de todos os alunos e, portanto,
com resultados e metas.
Todos esses aspectos pressupõem
recursos e gestão -ambos são fatores
fundamentais, e não excludentes.
A boa governança -termo tão utilizado atualmente- aplicada à educação supõe a existência de bons produtos, cumprimento de metas e obtenção de resultados mensuráveis, mas,
principalmente, transparência, participação e prestação de contas para a
comunidade escolar e para a sociedade em geral.
O impacto de uma educação de
qualidade não diz respeito só ao aluno
ou à escola mas sobretudo ao território onde a escola se insere. A boa formação de crianças e jovens traz melhorias para toda a comunidade.
Nesse sentido, além dos fatores internos à escola e à aprendizagem,
uma educação de qualidade exige um
sistema de avaliação e, especialmente, a ampla divulgação dos resultados
educacionais. Entretanto, é preciso
fazer com que dados de pesquisas e
avaliações possam ser traduzidos em
uma linguagem acessível para que todos possam entendê-los. Apenas assim pais e comunidade saberão o que
nossas crianças devem aprender em
cada série e, assim, acompanhar de
perto as escolas e os professores.
A boa governança educacional
pressupõe recursos e gestão. Porém,
de nada adianta possuir esses requisitos se não tivermos a consciência de
que a questão central deve ser o desenvolvimento do ser humano. A educação de qualidade deve servir para
tornar o ser humano mais generoso, e
as nossas relações sociais, mais solidárias, além de ampliar nossa capacidade de escolha, nossa liberdade.
Alcançamos algo que parecia inatingível: colocar a educação como valor a ser preservado pela sociedade
brasileira. A educação está como a bola da vez. Não podemos perder a oportunidade de acreditar nessa utopia
possível.
MARIA ALICE SETUBAL, socióloga, mestre em ciências
políticas pela USP e doutora em psicologia da educação
pela PUC-SP, é diretora-presidente do Cenpec (Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e fundadora e presidente da Fundação Tide Setubal. Foi consultora do Unicef na área educacional para a
América Latina e o Caribe.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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