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Perdulário, submisso e impune
CLAUDIO WEBER ABRAMO
Dado o peso financeiro das nossas representações parlamentares, é inevitável especular sobre a respectiva relação custo/benefício
A MESA Diretora da Câmara dos
Deputados aumentou a verba
mensal que cada deputado tem
à disposição para pagamento de "assessores" de gabinete (cabos eleitorais, na verdade). O estipêndio passou
de R$ 50 mil para R$ 60 mil por mês.
Cálculo da ONG Contas Abertas estima que, com o aumento, o custo direto de cada deputado federal se elevou a R$ 114 mil mensais. Isso inclui o
seu salário, a tal remuneração a cabos
eleitorais, uma mesada chamada "indenizatória", despesas com viagens e
outros auxílios. Ao todo, R$ 1,368 milhão por ano para cada deputado.
A título de comparação, um membro da Casa dos Comuns britânica
custa, por ano, 160 mil libras. Ao câmbio médio de abril de 2008, isso equivale a R$ 536 mil. Ou seja, o custo nominal de um deputado federal brasileiro é mais de 150% superior ao de
um parlamentar britânico.
Na verdade, tal comparação é inadequada, pois não leva em conta as diferenças de renda e de custo de vida
entre os dois países. Fatorando os números pelo PIB per capita (o da Grã-Bretanha é quase quatro vezes superior ao do Brasil), resulta que o custo
direto real de cada deputado federal
brasileiro é dez vezes maior do que o
que se observa na Grã-Bretanha.
Todas as Casas legislativas do país
distribuem dinheiro a seus integrantes por conta da "indenização" de despesas alegadamente incorridas no
exercício do mandato. Poucas exibem
os números. Naquelas que o fazem,
observam-se fenômenos curiosos.
Por exemplo, cada deputado estadual gaúcho tem o direito de gastar
até R$ 6.100 por mês com combustíveis e manutenção de veículos. Quase
todos usam o dinheiro integralmente,
sem que a Casa dê a conhecer os respectivos comprovantes. Na Câmara
dos Deputados, no Senado e em diversas outras Casas, é igual: "indenizam-se" os parlamentares, mas os comprovantes são mantidos em segredo.
Essa verdadeira festa da uva se repete na virtual totalidade das Casas
legislativas do país. Estudos divulgados no ano passado pela Transparência Brasil sobre os orçamentos (ou seja, custos globais, não apenas os custos diretos incorridos por cada parlamentar) do Congresso, de todas as Assembléias Legislativas estaduais e de
todas as Câmaras Municipais de capitais revelam um quadro escandaloso.
Para cada brasileiro, e em termos
do salário mínimo anual, o peso de
manter o Congresso Nacional (Câmara e Senado) é dez vezes superior ao
peso correspondente para um cidadão britânico ou alemão, 8,8 vezes para um espanhol, cinco vezes para um
norte-americano e assim por diante.
A maioria das Assembléias Legislativas estaduais custa mais para o cidadão do que custam todas as Assembléias nacionais européias. Duas Câmaras Municipais (São Paulo e Rio de
Janeiro) estão entre as campeãs
mundiais de gastos.
Tendo em vista o peso financeiro
das representações parlamentares do
país, é inevitável especular sobre a
respectiva relação custo/benefício. É
óbvio que a generosidade financeira,
aliada à falta de controle, atrai caçadores de renda.
Dados acumulados no projeto Excelências da Transparência Brasil
(www.excelencias.org.br) mostram que a Câmara dos Deputados
inclui entre seus integrantes nada
menos que 178 indivíduos (ou seja,
35% do total de 513 deputados) que
respondem em segunda ou terceira
instância a processos judiciais por delitos graves ou já foram punidos por
Tribunais de Contas. No Senado, essa
razão é de 38%. Na Assembléia Legislativa de Goiás, eles são 73%, na de
Rondônia, 58% etc.
Ao lado disso, os parlamentos brasileiros se entregam vorazmente ao
jogo de cooptação orquestrado pelo
Executivo. Como no Brasil o presidente da República pode nomear cerca de 24 mil pessoas para ocupar cargos de confiança, como o governador
de São Paulo (por exemplo) nomeia
20 mil indivíduos, e isso se repete em
todos os lugares, os Executivos usam
a prerrogativa para comprar o apoio
dos partidos, populando a administração com exércitos de agentes políticos cuja preocupação com o interesse público pode ser aquilatada pela
estatística de casos de corrupção noticiados pela imprensa -nada menos
de 1.240 novos escândalos por ano.
Disso só pode resultar o descrédito
com a política que se observa no Brasil, com desgaste da legitimidade da
representação eleitoral.
Isso só poderá ser revertido por alterações institucionais. Três sobressaem: reduzir de forma drástica a
prerrogativa de o Poder Executivo
nomear pessoas para ocupar cargos
na administração; impedir que pessoas já condenadas em segunda instância em processos criminais participem da vida política; cortar a pelo
menos um quinto os orçamentos dos
Legislativos.
CLAUDIO WEBER ABRAMO, matemático pela USP e
mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção.
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