São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Perdulário, submisso e impune

CLAUDIO WEBER ABRAMO

Dado o peso financeiro das nossas representações parlamentares, é inevitável especular sobre a respectiva relação custo/benefício

A MESA Diretora da Câmara dos Deputados aumentou a verba mensal que cada deputado tem à disposição para pagamento de "assessores" de gabinete (cabos eleitorais, na verdade). O estipêndio passou de R$ 50 mil para R$ 60 mil por mês.
Cálculo da ONG Contas Abertas estima que, com o aumento, o custo direto de cada deputado federal se elevou a R$ 114 mil mensais. Isso inclui o seu salário, a tal remuneração a cabos eleitorais, uma mesada chamada "indenizatória", despesas com viagens e outros auxílios. Ao todo, R$ 1,368 milhão por ano para cada deputado.
A título de comparação, um membro da Casa dos Comuns britânica custa, por ano, 160 mil libras. Ao câmbio médio de abril de 2008, isso equivale a R$ 536 mil. Ou seja, o custo nominal de um deputado federal brasileiro é mais de 150% superior ao de um parlamentar britânico.
Na verdade, tal comparação é inadequada, pois não leva em conta as diferenças de renda e de custo de vida entre os dois países. Fatorando os números pelo PIB per capita (o da Grã-Bretanha é quase quatro vezes superior ao do Brasil), resulta que o custo direto real de cada deputado federal brasileiro é dez vezes maior do que o que se observa na Grã-Bretanha.
Todas as Casas legislativas do país distribuem dinheiro a seus integrantes por conta da "indenização" de despesas alegadamente incorridas no exercício do mandato. Poucas exibem os números. Naquelas que o fazem, observam-se fenômenos curiosos.
Por exemplo, cada deputado estadual gaúcho tem o direito de gastar até R$ 6.100 por mês com combustíveis e manutenção de veículos. Quase todos usam o dinheiro integralmente, sem que a Casa dê a conhecer os respectivos comprovantes. Na Câmara dos Deputados, no Senado e em diversas outras Casas, é igual: "indenizam-se" os parlamentares, mas os comprovantes são mantidos em segredo.
Essa verdadeira festa da uva se repete na virtual totalidade das Casas legislativas do país. Estudos divulgados no ano passado pela Transparência Brasil sobre os orçamentos (ou seja, custos globais, não apenas os custos diretos incorridos por cada parlamentar) do Congresso, de todas as Assembléias Legislativas estaduais e de todas as Câmaras Municipais de capitais revelam um quadro escandaloso.
Para cada brasileiro, e em termos do salário mínimo anual, o peso de manter o Congresso Nacional (Câmara e Senado) é dez vezes superior ao peso correspondente para um cidadão britânico ou alemão, 8,8 vezes para um espanhol, cinco vezes para um norte-americano e assim por diante.
A maioria das Assembléias Legislativas estaduais custa mais para o cidadão do que custam todas as Assembléias nacionais européias. Duas Câmaras Municipais (São Paulo e Rio de Janeiro) estão entre as campeãs mundiais de gastos.
Tendo em vista o peso financeiro das representações parlamentares do país, é inevitável especular sobre a respectiva relação custo/benefício. É óbvio que a generosidade financeira, aliada à falta de controle, atrai caçadores de renda.
Dados acumulados no projeto Excelências da Transparência Brasil (www.excelencias.org.br) mostram que a Câmara dos Deputados inclui entre seus integrantes nada menos que 178 indivíduos (ou seja, 35% do total de 513 deputados) que respondem em segunda ou terceira instância a processos judiciais por delitos graves ou já foram punidos por Tribunais de Contas. No Senado, essa razão é de 38%. Na Assembléia Legislativa de Goiás, eles são 73%, na de Rondônia, 58% etc.
Ao lado disso, os parlamentos brasileiros se entregam vorazmente ao jogo de cooptação orquestrado pelo Executivo. Como no Brasil o presidente da República pode nomear cerca de 24 mil pessoas para ocupar cargos de confiança, como o governador de São Paulo (por exemplo) nomeia 20 mil indivíduos, e isso se repete em todos os lugares, os Executivos usam a prerrogativa para comprar o apoio dos partidos, populando a administração com exércitos de agentes políticos cuja preocupação com o interesse público pode ser aquilatada pela estatística de casos de corrupção noticiados pela imprensa -nada menos de 1.240 novos escândalos por ano.
Disso só pode resultar o descrédito com a política que se observa no Brasil, com desgaste da legitimidade da representação eleitoral.
Isso só poderá ser revertido por alterações institucionais. Três sobressaem: reduzir de forma drástica a prerrogativa de o Poder Executivo nomear pessoas para ocupar cargos na administração; impedir que pessoas já condenadas em segunda instância em processos criminais participem da vida política; cortar a pelo menos um quinto os orçamentos dos Legislativos.


CLAUDIO WEBER ABRAMO, matemático pela USP e mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Fábio Ulhoa Coelho: O fundo soberano e a Constituição

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.