São Paulo, sexta-feira, 08 de maio de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Radiografia atual da crise

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS


Apesar de certos problemas, a equipe econômica do presidente Lula tem demonstrado competência no enfrentamento da crise


H Á POUCOS dias retornei de Portugal, onde proferi, em universidades portuguesas, palestras sobre direito, economia e política. Causaram-me positiva impressão dois aspectos na análise que a grande maioria dos professores portugueses faz da atual crise econômica.
O primeiro deles é que o Brasil está surgindo como um país com liderança mundial e possibilidades de sair da crise mais cedo. O segundo é que, apesar de culturalmente menos preparado que os líderes dos demais países, o presidente Lula tem maior sensibilidade política que a esmagadora maioria deles, sabendo conviver com os liberais extremistas e os radicais socialistas com particular habilidade e talento.
Em uma das palestras, quando recebi a Cátedra Lloyd Braga de 2009, na Universidade do Minho, lembrei aos intelectuais lusitanos -que, no almoço, tinham se referido à maior resistência do Brasil à crise, responsável pela elevação do desemprego em Portugal e na Espanha a números nunca vistos depois da Segunda Guerra Mundial- que o presidente Juscelino Kubitschek, certa vez, com pertinência, afirmara: "No Brasil, o otimista pode errar, mas o pessimista começa errando". E que tal visão daquele presidente, que dera o grande impulso desenvolvimentista ao Brasil, representava, de rigor, a maneira de ser do brasileiro.
Concordo com a avaliação que meus colegas portugueses e espanhóis fizeram sobre a atual realidade do país, muito embora gostaria de que, pelo menos, três pontos fossem mais bem examinados pelas autoridades brasileiras nesta luta para sair da crise.
O primeiro é o inchaço da máquina administrativa -em que ainda viceja o hábito da contratação de não concursados-, nó górdio a ser desatado. O Palácio do Planalto, por exemplo, possui o dobro do número de servidores que trabalham com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na Casa Branca e em torno de 40% a mais do que nos tempos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. As despesas de custeio de uma insensata estrutura esclerosada, cuja burocracia cria carga pesadíssima sobre a sociedade e exigências desmedidas ao cidadão, são um fator que, se o presidente Lula decidisse lancetar, auxiliaria enormemente o país.
É bem verdade que é da índole presidencial uma grande tolerância com relação a essa multiplicidade de aliados e amigos do rei. Ocorre que tal condescendência não só afeta a eficiência da máquina mas também gera multiplicação de exigências burocráticas sobre o povo, inexistentes nos demais países, o que acaba por nos tirar competitividade empresarial. O segundo ponto é a capitulação permanente às exigências desmedidas e irracionais de nossos vizinhos (Bolívia, Venezuela, Equador, Paraguai e Argentina), fazendo com que o país se torne o alvo principal do esporte favorito de seus respectivos presidentes, qual seja, a autopromoção por meio de ataques ao Brasil. E, quanto mais atacam, mais concessões o nosso país faz.
Se, de um lado, o discurso internacional do presidente Lula diante dos países desenvolvidos tem sido elogiado e demonstra altivez e competência, de outro lado, no que diz respeito aos países latino-americanos, tem-se a impressão de que o país é o eterno derrotado, demonstrando fraqueza permanente.
O terceiro ponto diz respeito ao terceiro setor, que, especialmente em período de crise, no âmbito da assistência social, da saúde e da educação, faz pelos brasileiros mais do que os governos das três esferas da Federação. Não obstante, continua não merecendo das autoridades tributárias, pressionadas pelas despesas governamentais que continuam a crescer, a atenção necessária. Veja-se, por exemplo, a fortaleza das universidades americanas, mantidas por incentivos fiscais concedidos a seus doadores, ao lado da perseguição sistemática promovida pelas autoridades fiscais e previdenciárias às universidades brasileiras, que complementam o insuficiente estamento educativo oficial.
É de elogiar, todavia, no início da crise, duas medidas do governo Lula que, a meu ver, compensaram a perda do mercado externo, a queda dos financiamentos do exterior e a redução dos preços das commodities: a rápida estimulação do mercado interno em setores essenciais mediante incentivos fiscais e a disponibilização de financiamentos oficiais para compensar a falta dos internacionais.
Acrescente-se a isso a solidez do sistema financeiro, lastreado, em grande parte, em títulos governamentais. A forte banca brasileira vale o que vale o governo.
Em que pesem problemas atávicos e históricos de uma das mais ineficientes máquinas burocráticas do globo, a equipe econômica escolhida pelo presidente Lula tem demonstrado competência no enfrentar da crise, e eu pude realçar esses aspectos positivos em algumas das palestras proferidas em Portugal.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 74, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.

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