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TENDÊNCIAS/DEBATES
A crise na Grécia afetará a economia brasileira?
NÃO
Contágio é menos intenso que no passado
PAULO TENANI
BOLHAS especulativas existem
em diferentes variedades e podem inflar ou derrubar preços
de ativos, mas só surgem e se desenvolvem sob determinadas condições.
Por exemplo, entre 1997 e 2002, o
Brasil tinha condições necessárias e
suficientes para que bolhas especulativas surgissem no mercado de dívida
e câmbio. Qualquer choque mais intenso poderia levar os ativos brasileiros a adquirir vida própria e sofrer
correção muito maior do que seria
justificado pela deterioração dos
fundamentos.
Hoje, no entanto, em tempos de crise na Grécia, o contexto é bastante
distinto, e tais condições não mais
existem. Nesse sentido, assumindo
contágio, é improvável que, como no
passado, os ativos brasileiros desvalorizem-se desproporcionalmente
-sem relação com os fundamentos.
Alguns números são ilustrativos.
Entre 1997 e 2002, o Brasil enfrentou
uma conjunção de fatores desfavoráveis, que resultaram na condição necessária para uma bolha especulativa:
juros mundiais de 5,5%, risco Brasil
de 9%, crescimento econômico em
2% e um superavit primário e dívida
líquida, respectivamente, em 2,25% e
47% do PIB (Produto Interno Bruto)
-números medidos em termos de valores médios no período.
Nessas circunstâncias, a dinâmica
da dívida pública brasileira era intrinsecamente instável, aumentando, em
condições normais, 2,3 pontos percentuais por ano.
Por outro lado, a dívida pública indexada ao dólar, que na época representava 18% do PIB, caracterizava o mecanismo de realimentação -condição suficiente para uma bolha.
O processo era o seguinte: um choque no risco-país afetava a taxa de
câmbio, que, por sua vez, através da
dívida indexada ao dólar, desestabilizava ainda mais a dinâmica da dívida.
O risco Brasil, então, era novamente afetado, o que, mais uma vez, repercutia sobre o câmbio; e o processo assim se repetia. Ou seja, entre 1997 e
2002, existiam condições para o surgimento de duas bolhas especulativas
que se realimentavam mutuamente:
uma na dívida, outra no câmbio.
Bastava apenas um choque -e no
período o Brasil sofreu vários- para
iniciar o processo.
Hoje, no entanto, o Brasil enfrenta
uma conjunção de fatores distinta: juros mundiais de 3,6%, risco-país em
2%, crescimento em 5,5% e superavit
primário e dívida líquida em, respectivamente, 3% e 42% do PIB.
Nessas circunstâncias, a dinâmica
da dívida é intrinsecamente estável,
decrescendo, em condições normais,
quatro pontos percentuais por ano.
Além do mais, não há mais mecanismos de realimentação, pois que a
dívida indexada ao dólar é negativa.
Ou seja, não há condições para um choque instaurar uma bolha que derrube o preço dos ativos mais que proporcionalmente a deterioração dos fundamentos, muito pelo contrário.
Se hoje, no Brasil, existem condições para bolhas especulativas, elas
estão no sentido de inflar, não no de
derrubar o preço dos ativos.
A baixa probabilidade de bolhas negativas no Brasil, no entanto, não é a
única boa notícia. O cenário também
é melhor para os fundamentos.
Por exemplo, a evidência empírica
sugere que o Brasil está se tornando
um país de "beta" baixo -menos correlacionado com o cenário global.
Entre 1997 e 2002, o "beta" médio
da dívida externa soberana brasileira
era 1,05, enquanto o "beta" do mercado de ações era de 1,64, e o do câmbio,
medido entre 2003 e 2008, de - 0,73.
Hoje, as correlações caíram para 0,71, 1,33 e - 0,70, respectivamente.
Ou seja, tudo o mais constante,
uma queda de 20% nas bolsas globais,
como aconteceu em outubro de 2008,
resultaria em aumento de um ponto
percentuais no risco Brasil (para 3%),
desvalorização de 13% do real e queda
de 26% do mercado de ações.
Sem dúvida um ajuste difícil, dada a
deterioração abrupta dos fundamentos globais. Mas um ajuste que fica
muito aquém da queda de preços possível na presença de uma bolha.
Nesse sentido, a possibilidade de
contágio vindo da Grécia pode até ser
preocupante. Porém, na ausência de
bolhas especulativas, as simulações
acima sugerem um ajuste muito menos dramático do que o Brasil já experimentou no passado.
PAULO TENANI é sócio da Pragma Patrimônio e professor de finanças internacionais da Fundação Getúlio Vargas.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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