São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise na Grécia afetará a economia brasileira?

NÃO

Contágio é menos intenso que no passado

PAULO TENANI

BOLHAS especulativas existem em diferentes variedades e podem inflar ou derrubar preços de ativos, mas só surgem e se desenvolvem sob determinadas condições.
Por exemplo, entre 1997 e 2002, o Brasil tinha condições necessárias e suficientes para que bolhas especulativas surgissem no mercado de dívida e câmbio. Qualquer choque mais intenso poderia levar os ativos brasileiros a adquirir vida própria e sofrer correção muito maior do que seria justificado pela deterioração dos fundamentos.
Hoje, no entanto, em tempos de crise na Grécia, o contexto é bastante distinto, e tais condições não mais existem. Nesse sentido, assumindo contágio, é improvável que, como no passado, os ativos brasileiros desvalorizem-se desproporcionalmente -sem relação com os fundamentos.
Alguns números são ilustrativos.
Entre 1997 e 2002, o Brasil enfrentou uma conjunção de fatores desfavoráveis, que resultaram na condição necessária para uma bolha especulativa: juros mundiais de 5,5%, risco Brasil de 9%, crescimento econômico em 2% e um superavit primário e dívida líquida, respectivamente, em 2,25% e 47% do PIB (Produto Interno Bruto) -números medidos em termos de valores médios no período.
Nessas circunstâncias, a dinâmica da dívida pública brasileira era intrinsecamente instável, aumentando, em condições normais, 2,3 pontos percentuais por ano.
Por outro lado, a dívida pública indexada ao dólar, que na época representava 18% do PIB, caracterizava o mecanismo de realimentação -condição suficiente para uma bolha.
O processo era o seguinte: um choque no risco-país afetava a taxa de câmbio, que, por sua vez, através da dívida indexada ao dólar, desestabilizava ainda mais a dinâmica da dívida.
O risco Brasil, então, era novamente afetado, o que, mais uma vez, repercutia sobre o câmbio; e o processo assim se repetia. Ou seja, entre 1997 e 2002, existiam condições para o surgimento de duas bolhas especulativas que se realimentavam mutuamente: uma na dívida, outra no câmbio.
Bastava apenas um choque -e no período o Brasil sofreu vários- para iniciar o processo.
Hoje, no entanto, o Brasil enfrenta uma conjunção de fatores distinta: juros mundiais de 3,6%, risco-país em 2%, crescimento em 5,5% e superavit primário e dívida líquida em, respectivamente, 3% e 42% do PIB.
Nessas circunstâncias, a dinâmica da dívida é intrinsecamente estável, decrescendo, em condições normais, quatro pontos percentuais por ano. Além do mais, não há mais mecanismos de realimentação, pois que a dívida indexada ao dólar é negativa.
Ou seja, não há condições para um choque instaurar uma bolha que derrube o preço dos ativos mais que proporcionalmente a deterioração dos fundamentos, muito pelo contrário.
Se hoje, no Brasil, existem condições para bolhas especulativas, elas estão no sentido de inflar, não no de derrubar o preço dos ativos.
A baixa probabilidade de bolhas negativas no Brasil, no entanto, não é a única boa notícia. O cenário também é melhor para os fundamentos.
Por exemplo, a evidência empírica sugere que o Brasil está se tornando um país de "beta" baixo -menos correlacionado com o cenário global.
Entre 1997 e 2002, o "beta" médio da dívida externa soberana brasileira era 1,05, enquanto o "beta" do mercado de ações era de 1,64, e o do câmbio, medido entre 2003 e 2008, de - 0,73.
Hoje, as correlações caíram para 0,71, 1,33 e - 0,70, respectivamente.
Ou seja, tudo o mais constante, uma queda de 20% nas bolsas globais, como aconteceu em outubro de 2008, resultaria em aumento de um ponto percentuais no risco Brasil (para 3%), desvalorização de 13% do real e queda de 26% do mercado de ações.
Sem dúvida um ajuste difícil, dada a deterioração abrupta dos fundamentos globais. Mas um ajuste que fica muito aquém da queda de preços possível na presença de uma bolha.
Nesse sentido, a possibilidade de contágio vindo da Grécia pode até ser preocupante. Porém, na ausência de bolhas especulativas, as simulações acima sugerem um ajuste muito menos dramático do que o Brasil já experimentou no passado.


PAULO TENANI é sócio da Pragma Patrimônio e professor de finanças internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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