São Paulo, domingo, 08 de maio de 2011 |
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FERNANDO CANZIAN Drink em festa ruim Em viagem de trabalho pelo Nordeste no ano passado, tentei trocar dois vouchers oferecidos no check-out do hotel por um café duplo no aeroporto de Natal. A moça disse que os brindes eram separados. E que só seria possível oferecer dois cafezinhos em xícaras pequenas, individuais. A gerente deu a mesma explicação. Um dia antes, com o fotógrafo João Wainer, visitamos as obras do novo aeroporto de Natal. A cargo da Infraero e do Exército nos três anos anteriores, havia só parte da pista pronta do que está programado para ser um dos principais pontos de entrada e saída do país na Copa. Numa escala na Bahia, conhecemos Tatiana Coutinho. Ela acabara de assumir uma dívida para comprar uma casa na margem da congestionada BR-116, em Feira de Santana. Pagaria R$ 3.300 o m2 por um imóvel de 46 m2. Negociava também outro financiamento para um imóvel comercial em Salvador, a R$ 4 mil o m2. Não surpreende a inflação anual brasileira ter estourado o teto da meta (6,5%) do BC na semana passada. Problema entre as economias emergentes desde 2010, a disparada de preços no Brasil é potencializada pela ineficiência privada e estatal e pelo crédito. Em 2010 (e para eleger Dilma), o Brasil cresceu 7,5%. Foi a maior taxa em 25 anos, algo visto pela última vez no ano da fraude eleitoral do Plano Cruzado. A ressaca inflacionária atual vem disso. No Brasil, o crédito ao consumo tem crescido três vezes mais rápido que o destinado aos investimentos das empresas, voltados para o aumento da oferta de bens e serviços. Já o gasto estatal vai quase todo para custeio da máquina, deixando parcela mínima para investimentos. A qualidade do serviço no café de Natal, a obra a passo de tartaruga no aeroporto estatal e o cheiro de "bolha" imobiliária são produtos dessa mesma configuração. Um exame mais rigoroso das conquistas dos últimos anos, e não são poucas, não encontrará muitas alterações estruturais na economia. O desemprego caiu à metade e a renda cresceu nos anos Lula, içando cerca de 30 milhões de pessoas à nova classe C, agora cobiçada pelos políticos. Mas o combustível dessa transformação foi o crédito ao consumo. Assim como alguns drinks deixam muitos alegres e exagerados até em festa ruim, o crédito manteve o país ascendente e alheio aos velhos entraves tributários, na infraestrutura, na educação e na segurança públicas. Em outro contexto, e com outros atores, esse mesmo filme passou recentemente em vários países. O final foi ruim. O surto inflacionário é bom momento para se tomar a sempre difícil decisão entre descer para comprar mais birita ou começar, o quanto antes, a arrumar o salão. FERNANDO CANZIAN é repórter especial da Folha. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Corpo de delito Próximo Texto: TENDÊNCIAS/DEBATES Cezar Peluso: Mitos e recursos Índice | Comunicar Erros |
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