São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2006

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Protesto contra a instabilidade

RICARDO PENTEADO

A ADOÇÃO DE um regime democrático representativo se torna apenas retórica quando não existe uma regra estável sobre a forma de escolha dos representantes populares e um procedimento prévio de outorga de mandatos eletivos.
As regras do processo eleitoral constituem, para a democracia, a essência da legitimação do sistema representativo. Não é à toa que as regras eleitorais de maior importância normalmente ganham estatura constitucional, identificadas que estão com a própria existência institucional do Estado e da nação soberana.
Desde o século 18 que se compreende que a estabilidade das regras que definem o sistema eleitoral constitui a parte mais nobre do jogo democrático. A nossa Constituição de 1988 segue esta saudável tradição secular ao estabelecer, no seu artigo 16, que nenhuma alteração da matéria eleitoral tem vigor, senão quando aprovada um ano antes do pleito.


Os partidos, que têm um ano para compor alianças, têm agora três dias para compreender uma complexa regra de coligações


Com essa antecedência, as regras têm de estar postas e definidas, de modo a propiciar que as forças políticas se componham, a sociedade se organize e as propostas e ideologias do seu tempo se aloquem nas trincheiras eleitorais que se desenham de acordo com o antagonismo social e ideológico do momento histórico.
Estabelecido esse valor, é necessário ressaltar que os recentes sobressaltos que o sistema eleitoral brasileiro sofre trazem um grave risco para o sistema democrático representativo e desnorteiam a composição ideológica partidária, com todos os seus interesses sociais implícitos, às vésperas de uma eleição que, como todas as outras, não é um evento político isolado, mas sim um evento histórico comprometido com o seu tempo.
Até anteontem os partidos políticos viviam um processo de composição ditado por regras que, se não eram positivadas, tinham a tradição de costumes arraigados e aceitos.
Numa singela sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), para a qual não se deu a importância do extraordinário nem se prepararam as agremiações para um embate no contraditório, estabeleceram-se regras cuja novidade é detectada por todos os jornais: diferentemente dos anos anteriores, partidos coligados nas eleições presidenciais não podem disputar, entre si, eleições estaduais em composições políticas diversas.
Há quem diga, sem que isso esteja escrito em qualquer decisão, que a coligação nacional impõe repetição da mesma composição nos Estados, coisa que jamais aconteceu antes. Conjectura-se, ainda, como conseqüência do primeiro veredicto, a impossibilidade de se ampliar regionalmente a aliança de dois partidos coligados nacionalmente, com a adesão de um terceiro partido que não fez nenhuma coligação nacional.
Em suma: é como se comunicassem a uma seleção de futebol que se prepara no vestiário que as regras do próximo jogo, que começa em dez minutos, serão alteradas.
Não se cuida aqui de uma discussão a respeito da conveniência ou mesmo da coerência de diversas propostas normativas diante de um sistema que merece aperfeiçoamento. O que se destaca, neste manifesto, é a surpresa do veredicto publicado às vésperas das convenções, que estão agendadas para daqui a três dias!
Os partidos políticos, que têm um ano para compor alianças que são apenas formalizadas nas convenções, têm agora três dias para compreender uma complexa regra de coligações e, nesse curto espaço de tempo, compor não só suas forças internas e a miríade de interesses regionais, como, também, cerzir um acordo nacional para o qual estavam preparados sob a consideração de regras que valeram para as eleições passadas, mas que não serão mais observadas.
Não é a primeira vez que nosso país passa por esse duro golpe no seu sistema. Mas é a primeira vez que isso ocorre a menos de uma semana do início das convenções, tornando uma aventura quase irresponsável o diagnóstico e aconselhamento jurídico que os operadores do Direito Eleitoral são instados a fazer toda a vez que são consultados por seus clientes.
Sabemos que o nosso sistema precisa de reformas, mas é tão valioso quanto esse diagnóstico aquele que identifica a necessidade de não se realizar eleições e acordos políticos com regras instáveis.
Aguardamos o pior: ou os partidos políticos despreparados para o momento tomam atitudes internas autoritárias, submetendo seus órgãos inferiores a uma ordem nunca antes discutida; ou abrem mão de uma unidade ideológica mínima e se tornam um grande clube chancelador de candidaturas avulsas, transformando-se num cartório de pequenos interesses.
RICARDO PENTEADO , 44, advogado e presidente do IDPE (Instituto de Direito Político e Eleitoral)


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