São Paulo, sexta-feira, 08 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Desafios para a cúpula do G8

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Não podemos tratar de forma igual países com capacidades e responsabilidades tão desiguais

A REALIZAÇÃO de mais uma cúpula ampliada do G8, em Heiligendamm (Alemanha), oferece nova oportunidade para os líderes da África do Sul, do Brasil, da China, da Índia e do México aprofundarem o diálogo, iniciado em Evian, em 2003, com as principais economias industrializadas sobre temas prioritários da agenda internacional.
Essas reuniões vêm se fortalecendo ano após ano, ganhando reconhecimento por introduzir novos enfoques nos debates do G8. Estou convencido de que mudança do clima, desenvolvimento sustentável, fontes novas e renováveis de energia e financiamento para o desenvolvimento são temas sobre os quais as principais economias emergentes precisam ser mais ouvidas. Não só porque as populações de nossos países são diretamente afetadas mas também pela capacidade de nossos países de formular e implementar propostas inovadoras para responder a esses múltiplos desafios.
A transformação dos biocombustíveis em commodities internacionais é um exemplo de como estamos juntando esforços para encontrar respostas coordenadas. A difusão do uso do etanol e do biodiesel ajuda a democratizar o acesso à energia, diminuindo a dependência mundial de reservas finitas de hidrocarbonetos. Ao mesmo tempo, contribui para reduzir emissões de gases poluentes, ajudando na luta para reduzir os efeitos da mudança do clima, que afeta a todos.
Os biocombustíveis têm relevância especial para os países em desenvolvimento. Pelo enorme potencial de geração de empregos e de renda, oferecem uma verdadeira opção de crescimento sustentável, especialmente para países que dependem da exportação de poucos bens primários. Ao mesmo tempo, o etanol e o biodiesel abrem novas avenidas de desenvolvimento, sobretudo nas indústrias bioquímicas. São alternativas econômicas, sociais e tecnológicas que oferecem a países pobres economicamente, mas ricos em sol e terra aráveis.
As críticas de que os biocombustíveis podem afetar a segurança alimentar ou agravar as mudanças climáticas partem de uma falsa premissa. Desde que os países adotem cultivos adequados para suas realidades e necessidades, os biocombustíveis podem andar de mãos dadas com a segurança alimentar e a preservação do meio ambiente. Um sistema de rigorosa certificação pública, lastreado em acordos multilaterais, preservará o meio ambiente, assim como garantirá condições decentes de trabalho.
O equilíbrio entre as pequena propriedade familiar e as grandes plantações também pode ser garantido, como prescreve, por exemplo, a legislação brasileira. Essa experiência estamos partilhando com nossos vizinhos da América Latina e do Caribe e com os irmãos africanos.
Para alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio, será preciso multiplicar mecanismos financeiros inovadores aptos a assegurar os recursos necessários para mudar a condição de vida de milhões de marginalizados. A cobrança de contribuição sobre passagens aéreas é um pequeno exemplo do que pode ser feito, como ficou claro na criação da Unitaid (central internacional de medicamentos).
A cúpula ampliada oferece oportunidade para formularmos estratégias integradas mundialmente para lidar com as grandes ameaças planetárias.
Não haverá desenvolvimento sustentável, harmonia ambiental e segurança duradoura se não eliminarmos a fome e a extrema desigualdade.
É por isso que as negociações comerciais multilaterais devem avançar. Precisamos de uma verdadeira rodada do desenvolvimento na OMC. Com resultados que tragam para os países mais necessitados os benefícios tantas vezes prometidos, mas nunca plenamente materializados, da liberalização comercial.
Talvez o maior teste de nossa capacidade de forjar uma governança verdadeiramente global esteja na distribuição das responsabilidades e custos das mudanças inadiáveis à frente. Essas responsabilidades são compartilhadas, porém diferenciadas. Ao falarmos de aquecimento global ou de negociações comerciais multilaterais, não podemos tratar igualmente países com capacidades e responsabilidades tão desiguais. A legítima proteção da propriedade intelectual, por exemplo -que está na agenda do G8-, não pode se sobrepor ao imperativo ético de garantir medicamentos essenciais a preços acessíveis.
O Brasil tem plena consciência de suas obrigações e está ativamente engajado em todas essas iniciativas. Por isso, confiamos em que o diálogo ampliado do G8 continuará a ser instância indispensável na consolidação de uma agenda comum, de interesses e desafios compartilhados por todos.
A constituição de um foro permanente entre países em desenvolvimento e desenvolvidos para tratar as questões centrais do mundo de hoje ajudará a tornar a globalização menos assimétrica e mais solidária.


LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, 61, é o presidente da República Federativa do Brasil.

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