São Paulo, quinta-feira, 08 de agosto de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

De um palanque a outro

Ao verem os quatro candidatos perfilados, muitos eleitores podem ter se perguntado sobre a razão de serem neste ano apenas quatro (além de dois da extrema esquerda), quando em outras eleições havia tantos. Esse foi, talvez, o efeito positivo da "verticalização" imposta pelo TSE ao propiciar que o pleito para o cargo máximo se organize em poucas tendências.
Em decisão de legitimidade discutível, o Tribunal determinou que os partidos passam a ser obrigados, no plano estadual, a repetir as alianças seladas no federal. Caso não as tenham, ficam livres no âmbito dos Estados. E que liberdade! À depuração da campanha presidencial correspondeu um festival das mais esdrúxulas alianças locais que já houve.
São dois os resultados. Valorizou-se na prática o político de clientela, do qual o exemplo mais notório, que pinçamos apenas a título de ilustração, é o ziguezagueante Inocêncio de Oliveira (PFL-PE). Como muitos de seus colegas, o deputado pernambucano não conta com uma base eleitoral sensível a valores como "coerência" -até porque ele é coerente.
Reflexo político de regiões de economia fraca, representantes como ele precisam se conservar na vizinhança do poder para que possam exercer a função que na realidade lhes compete: trocar apoio parlamentar por favores do governo, prover emprego a cabos eleitorais e benefícios a grupos de apoio econômico local. Tudo muito lógico, funcional e coerente...
Pensamos que esse fenômeno é sobretudo rural e arcaico, fadado a desaparecer, mas ele se reproduz nas periferias das grandes cidades, sertões urbanos onde se reúne uma massa anônima, carente de bens materiais e de informação geral, para não dizer política. Tanto o movimento evangélico como sua refração eleitoral, a candidatura Garotinho, pescam nessas águas.
A outra consequência dessa balbúrdia estadual, em que desafetos da direita à esquerda se dão as mãos alegremente, é disponibilizar uma legião de políticos atomizados, exército de reserva que corre de um palanque ao outro conforme seu protagonista sobe ou desce nas pesquisas. Já os vimos no palanque de Roseana e até de Serra antes de subirem no de Ciro.
Este montou a mais ampla coalizão da galáxia, com criaturas de diversos sistemas planetários, disposto a pagar o preço que tem sido cobrado a todo presidente brasileiro, pois a liberdade individual concedida aos políticos impede que se forme uma maioria constante no Congresso. Antes e depois da eleição, os apoios são negociados no varejo.
Mas os presidentes não têm sido tanto vítimas como cúmplices desse processo, pois a volatilidade no Parlamento lhes dá, por sua vez, a liberdade de pairar sobre os partidos governistas. A crer em seu programa, Ciro pretende sobrenadar essa sua coalizão de contrários, fazendo apelo direto ao povo, na forma de plebiscito, quando o sistema emperrar.
É conhecida a tese de que plebiscitos, da mesma forma que eleições presidenciais, "aquecem" o ritmo da política, permitindo que intervenções da opinião popular quebrem acordos entre "elites". É sabido também que o recurso é utilizado por presidentes que desejam extrapolar suas atribuições. Como se já não existissem suficientes desconfianças a respeito.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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