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São Paulo, segunda-feira, 08 de setembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O sofá e o festim

RIO DE JANEIRO - Com o sucesso inicial obtido na Câmara dos Deputados, o governo e as forças que o apóiam parecem satisfeitas: deram absoluta prioridade à arrumação da casa na suposição de que o importante é mudar as regras do jogo no setor da Previdência e da tributação.
Ainda faltam etapas na aprovação de tudo o que o Executivo deseja, mas, pelo poder da barganha ou pelo poder do convencimento, é quase certo que tudo lhe vá ser dado -ou de graça, como pretende Lula, ou pagando o preço habitual do movimentado balcão das verbas e cargos.
Foi essa, por sinal, a condição básica que o governo exigiu para deslanchar o processo (ou o espetáculo) do crescimento. Cobrando isso e aquilo e deixando de pagar isso ou aquilo, haveria espaço para a Terra Prometida, onde correriam o leite e o mel na abundância sonhada e enfim realizada.
Esse tipo de prioridade faz lembrar os tempos do milagre brasileiro, quando os governos da época prometiam aumentar o bolo nacional tanto e tamanhamente que sobrassem fatias para todos. Antes de dividir, era necessário ter o que dividir -era isso o que norteava a política econômica de então.
O bolo cresceu realmente, graças ao fermento autoritário e ao forno superaquecido da repressão, mas nem assim tivemos as fatias prometidas. Poucos se fartaram, alguns pegaram migalhas e a maioria ficou assistindo ao espetáculo -o mesmo que Lula promete não repetir.
O Congresso parece disposto a dotar o governo de todo o arsenal solicitado. O tempo e a energia que estão gastando nessa arrumação doméstica, tirando o sofá daqui para botar ali, são tempo e energia desperdiçados no que realmente importa, que é o crescimento nacional, estagnado no desemprego, na falta de investimentos, na usura determinada pelos interesses do mercado internacional.
O sofá pode estar certo. O festim é que continua incerto.


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