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CARLOS HEITOR CONY
O sofá e o festim
RIO DE JANEIRO - Com o sucesso inicial obtido na Câmara dos Deputados, o governo e as forças que o
apóiam parecem satisfeitas: deram
absoluta prioridade à arrumação da
casa na suposição de que o importante é mudar as regras do jogo no setor
da Previdência e da tributação.
Ainda faltam etapas na aprovação
de tudo o que o Executivo deseja,
mas, pelo poder da barganha ou pelo
poder do convencimento, é quase certo que tudo lhe vá ser dado -ou de
graça, como pretende Lula, ou pagando o preço habitual do movimentado balcão das verbas e cargos.
Foi essa, por sinal, a condição básica que o governo exigiu para deslanchar o processo (ou o espetáculo) do
crescimento. Cobrando isso e aquilo e
deixando de pagar isso ou aquilo, haveria espaço para a Terra Prometida,
onde correriam o leite e o mel na
abundância sonhada e enfim realizada.
Esse tipo de prioridade faz lembrar
os tempos do milagre brasileiro,
quando os governos da época prometiam aumentar o bolo nacional tanto
e tamanhamente que sobrassem fatias para todos. Antes de dividir, era
necessário ter o que dividir -era isso
o que norteava a política econômica
de então.
O bolo cresceu realmente, graças ao
fermento autoritário e ao forno superaquecido da repressão, mas nem assim tivemos as fatias prometidas.
Poucos se fartaram, alguns pegaram
migalhas e a maioria ficou assistindo
ao espetáculo -o mesmo que Lula
promete não repetir.
O Congresso parece disposto a dotar o governo de todo o arsenal solicitado. O tempo e a energia que estão
gastando nessa arrumação doméstica, tirando o sofá daqui para botar
ali, são tempo e energia desperdiçados no que realmente importa, que é
o crescimento nacional, estagnado
no desemprego, na falta de investimentos, na usura determinada pelos
interesses do mercado internacional.
O sofá pode estar certo. O festim é
que continua incerto.
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