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MARCOS NOBRE
A cultura das armas
O ANO DA FRANÇA no Brasil
mostrou a que veio: foi uma
oportunidade para fechar
grandes negócios com armas. Nada
menos que R$ 22,5 bilhões, sem
contar o contrato de compra de caças, que pode custar outros R$ 10
bilhões e que deve ir também para
a França.
A discussão sobre os contratos
continua em banho-maria. As explicações oficiais seguem sendo insuficientes. Joga-se a nuvem do antinacionalismo e do antipatriotismo contra quem exige esclarecimentos, quando qualquer nacionalista e patriota só merece esse nome se fizer valer antes de tudo a
transparência exigida pelas instituições democráticas que o país
com tanta dificuldade conseguiu
construir.
Uma coisa é um aparelhamento
adequado das Forças Armadas brasileiras que seja compatível com a
extensão do país e com o atual patamar de armamento sul-americano. Coisa muito diferente é um
projeto de se tornar potência hegemônica regional inconteste. Os
contratos com a França representam o primeiro passo para isso.
A realização desse projeto inclui
a tentativa já fracassada outras vezes de instalar uma indústria bélica
de importância no país. Já parece
suficientemente assustadora a
ideia de usar dinheiro público para
financiar a produção e exportação
de armas para destruir vidas. Mas
essa nem é ainda toda a história.
Tornar-se potência militar significa gastar muito mais recursos do
que o necessário para manter o
equilíbrio bélico regional. É esse
gasto excedente que rouba recursos da luta contra a miséria e a desigualdade. E que terá por consequência produzir tensões onde hoje elas não existem e obrigará países vizinhos a tomarem o mesmo
caminho desastroso. Não bastasse
isso, serão preciosos recursos do
pré-sal que acabarão por financiar,
direta ou indiretamente, esse projeto militarista.
A cultura francesa foi hegemônica no Brasil por pelo menos um século e meio, até os EUA lhe tomarem essa posição. Mas esse tombo
em nada abalou o velho colonialismo francês, que, condescendente,
continua a oferecer ao povo brasileiro a oportunidade de degustar os
biscoitos finos que fabrica.
E são mesmo muitas vezes biscoitos de sonho. Só que, como sempre, a França continua sem dar a
receita. Práticas reais de cooperação e intercâmbio passaram longe
da lista de mais de 400 eventos culturais do Ano da França no Brasil.
Figuras renomadas vêm, fazem seu
show e se vão.
O que fica são armas. Para essas,
o governo francês promete ensinar
a receita. Transformou as armas da
cultura no prelúdio enganoso de
uma cultura das armas.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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