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São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Impostos: quem defende o povo?

Na discussão sobre a reforma tributária tem emergido um argumento ridículo. Como a reforma tributária afeta os Estados e, segundo o art. 46 da Constituição, o "Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário", caberia a ele a formulação da reforma. Trata-se de falácia evidente, pois a reforma tributária não pode ser feita pelos Estados ou para os Estados. O que se espera é que ela seja feita para melhorar a eficiência do sistema produtivo e para diminuir o peso asfixiante que a carga tributária exerce sobre os cidadãos desvalidos, melhorando sua qualidade e a equidade.
Não chegaria a dizer que ela deveria ser feita "contra a União, os Estados e os municípios" uma vez que estes quase nada têm feito para controlar as suas despesas e sempre encontram a solução simples de aumentar os impostos. Mas, certamente, não é para eles! Por quê? Porque eles representam apenas uma face do problema. A outra face é o peso que seu desperdício e sua fúria arrecadatória exercem sobre o cidadão. Com falácia simétrica à anterior, poderíamos dizer (art. 45 da Constituição) que, como "a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal", é a ela que caberia defender o cidadão-contribuinte...
O projeto de reforma tributária do governo tinha algumas virtudes e alguns graves defeitos. As primeiras foram relativizadas, e os segundos, agravados na Câmara pela ação (legítima, mas insensata) de Estados e municípios. Continuamos convencidos de que a imprudência do governo Lula de reabrir a discussão sobre a discriminação tributária, na esperança de que todos colocariam o seu "patriotismo acima dos interesses individuais", acabou produzindo uma reforma do ICMS inaceitável. Ele transforma em "direito adquirido" alguns subsídios que distorcem a geometria do espaço econômico, reduzindo a produtividade global da economia. Não se trata aqui de grandes projetos com imensas cadeias produtivas que, por si sós, alteram aquela geometria, equilibrando o desenvolvimento regional, como é o caso de uma refinaria, de uma siderúrgica ou da indústria automobilística.
Não é o caso, também, da Zona Franca de Manaus, que, com todos os seus inconvenientes, desenvolveu uma cultura industrial que provavelmente deveria ser imitada com a instalação de mais zonas de exportação. É impossível negar que, no lado do ativo da zona franca, temos de creditar um aumento da integração nacional. É essa variável que frequentemente falta nos "modelos" que apontam apenas para os seus inconvenientes alocativos.
Trata-se dos milhares de pequenos subsídios que só deveriam ser distribuídos com superávits orçamentários que o Estado mais bem administrado poderia conceder legitimamente, transparentemente, no Orçamento anual. Isso até emularia a honesta competição entre os Estados. É exatamente isso o que não faz o conchavo fazendário...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br



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